A Câmara Municipal de Montalegre confirma que o edifício dos Paços do Concelho foi, esta quinta-feira, alvo de buscas da Polícia Judiciária. Os agentes da PJ foram acompanhados por procuradores do Departamento de Investigação e Ação Penal Regional do Porto. Na operação 'Alquimia' foram detidos o presidente da Câmara local, o socialista Orlando Alves, e o seu vice, David Teixeira, bem como um funcionário da autarquia, indiciados pela prática de crimes de associação criminosa, prevaricação, recebimento indevido de vantagem, falsificação de documentos, abuso de poder e participação económica em negócio.
Em comunicado assinado por Fátima Fernandes, vereadora do executivo municipal, é referido que a ação efetuada hoje “vem no seguimento das buscas realizadas em 2020, visando recolher todos os elementos de prova que possam esclarecer a investigação e instrução”. A vereadora socialista, partido que governa o município desde 1989 e é liderado por Orlando Alves desde 2013, adianta que o processo em causa teve origem “em denúncias anónimas”, tendo o presidente e o vice-presidente já sido constituídos arguidos.
Dois anos depois, a eleita refere que espera que tudo seja esclarecido “com celeridade” para que “definitivamente todas as denúncias sejam removidas do espaço público”. A finalizar o comunicado, Fátima Fernandes adianta que Orlando Alves e David Teixeira estão, “como sempre estiveram”, disponíveis para prestar esclarecimentos considerados necessários e, “no tempo e lugar próprios, assim o farão”, mantendo o foco no desenvolvimento do trabalho “em prol do território de Montalegre”.
O Expresso tentou, sem sucesso, contactar o vice-presidente detido, por telefone e SMS, para confirmar se a operação 'Alquimia' está relacionada com contratos públicos da empresa Gafaestruturas - Engenharia, Lda, da qual é sócio Edgar Alves, irmão do presidente da Câmara de Montalegre.
A empresa de construção civil com sede em Braga rubricou o primeiro contrato com o município de Montalegre em novembro de 2010, tendo desde então firmado mais de meia centena de vínculos contratuais com a Câmara de Montalegre ou serviços do município, maioritariamente por ajuste direto, outros após consulta prévia ao mercado e ainda por concurso público, conforme informação publicada no Portal Base da contratação pública.
Segundo fonte próxima do município, a adjudicação de obras e empreitadas de requalificação à sociedade comercial do irmão do presidente é há muito do “conhecimento da população”, situação que se tornou alvo de comentários depois de uma investigação do “Sexta às 9”, em outubro de 2020, ter “colocado o dedo na ferida”. Segundo a investigação da RTP, a listagem dos negócios sob suspeita totalizava quase €5 milhões, na maioria envolvendo familiares do autarca. Além do irmão, o município terá adjudicado obras a empresas de familiares, participadas não só pelo irmão, mas também pela cunhada e sobrinhos.
Os contratos em causa terão sido, em geral, outorgados pelo vice-presidente David Teixeira, como aconteceu no caso do contrato de empreitada da obra pública ‘Arranjos Urbanísticos em Salto’, assinado a 25 de agosto de 2017. O vice-presidente da Câmara de Montalegre rubricou a empreitada como primeiro outorgante “por impedimento do presidente, em representação do município”, tendo por segundo outorgante Edgar Alves. O prazo de execução da obra foi de 240 dias, incluindo sábados, domingos e feriados, sendo o valor da obra de mais de €250 mil.
Orlando Alves e David Teixeira foram a votos nas eleições autárquicas de 2021 na condição de arguidos. Além deste processo, estavam acusados pelo Ministério Público da prática, em coautoria, de um crime de prevaricação. Em causa estava a aquisição de um painel publicitário LED, em 2015, ao comerciante e antigo deputado da Assembleia Municipal de Montalegre Paulo Barroso, também acusado neste processo.
Em março último, o Tribunal de Vila Real absolveu os três arguidos, referindo que a acusação se esqueceu que, "muito antes" de o negócio entre a Câmara de Montalegre e o comerciante ter ocorrido, já Paulo Barroso tinha adquirido e licenciado o espaço onde o painel ia ser colocado.
A presidente do coletivo de juízes sustentou que o "negócio em termos administrativos" estava correto, "não se tendo provado prejuízo para a Câmara", mas ressalvou que, embora não se tratando de um crime, a forma como o negócio foi feito não era correta.
Nas últimas autárquicas, o autarca socialista foi reeleito com maioria absoluta, apesar de ter perdido 10% dos votos nas urnas e sem abalar os níveis de participação eleitoral.
Ao Expresso, José Moura Rodrigues, candidato autárquico do PSD em 2021 e vereador, diz que as buscas efetuadas esta manhã não foram “surpresa” para si e para a população, depois das buscas efetuadas há dois anos. O eleito do PSD prefere, contudo, “deixar à justiça o que é da justiça”, esperando que o processo seja rápido no apuramento de responsabilidades para “evitar que a mancha que pesa sobre Montalegre se prolongue no tempo”.
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