Incompatibilidades: Ventura insiste na demissão de ministros, Governo nega violação da lei
André Ventura e Pedro Pinto, líder parlamentar do Chega
NUNO FOX
Debate pedido pelo Chega sobre incompatibilidades no Governo foi marcado por troca de acusações entre o partido, o Executivo e as restantes forças políticas, que apontam para a lei em vigor e recusam ceder a “populismos”. PSD rejeita revisão da lei a reboque dos casos, mas PS garante que não será feita à pressa
No debate sobre as alegadas incompatibilidades no Governo, André Ventura voltou a pedir esta sexta-feira a demissão de três ministros envolvidos em casos e acusou o PS de cobrir o país com um “emaranhado de vergonha”. Já o Governo insistiu que “não há violação da lei”, enquanto a maioria dos partidos apontou para o regime em vigor, recusando ceder a “populismos” e alterações da lei à pressa.
“A lei é clara. A grande maioria dos ministros envolvidos - Pedro Nuno Santos, Manuel Pizarro e Ana Abrunhosa - violaram a lei e devem ser demitidos das suas funções”, começou por defender o líder do Chega, numa interpelação ao Governo feita pelo partido sobre “os sucessivos casos de alegadas incompatibilidades e conflitos de interesses que envolvem vários ministros do Executivo”.
O debate, sublinhou, resulta da necessidade de chamar à “responsabilidade” o Governo nos múltiplos casos, mas também da “estupefação” de ver o PSD e a IL a “fugirem do tema” e defenderem que este “não é o momento certo” para fazer esta discussão, apelando aos partidos de direita para não entrarem no “mesmo jogo do PS”.
Mas as maiores farpas foram mesmo para o Governo, que considera que não deu hoje “nenhum esclarecimento”: “Maioria absoluta não pode ser prepotência absoluta. Isto já não é um Governo, mas um barco que vai afundando a cada dia que passa”, atirou.
Pelo Governo, a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, repetiu que não está em causa nenhuma violação da lei das incompatibilidades nos casos de quatro ministros e dois secretários de Estado e pediu “serenidade” no debate. “Não há em nenhum destes casos que nos trazem qualquer violação da lei”, vincou, apontando para o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR), de 2019. Um parecer que disse "manter toda a atualidade", embora tenha sido feito antes de entrar em vigor a atual lei.
Ana Catarina Mendes saiu em defesa da “transparência” no Executivo, frisando que todas as declarações de rendimentos e registos de interesses dos governantes estão disponíveis para consulta. E acusou o Chega de liderar o “combate pela desinformação”, com repetidos 'soundbites', e de lançar um clima de suspeição sobre o Governo, mas também sobre o Tribunal Constitucional (TC) e a PGR. “Estamos aqui para fiscalizar o Governo e o PS”, retorquiu Ventura.
PSD critica narrativa “quase obsessiva” pelo parecer da PGR
Do lado do PSD, a mesma garantia já dada pelo líder: o partido não está disponível para uma revisão da lei a reboque de “casos” e feita à pressa. Apesar de criticar a narrativa “quase obsessiva” do Governo pelo parecer da PGR, a deputada Emília Cerqueira garantiu que o partido não embarca em “populismos” perante a “onda mediática” dos casos.
Também a deputada Sara Madruga da Costa considerou que a lei em causa é “claríssima” e não suscita quaisquer dúvidas, criticando ainda aquele que considera ser o “risível argumento do emaranhado legislativo", invocado pelo Chefe de Estado quando pediu ao Parlamento a revisão da lei: “O que está em causa não é a interpretação da lei, mas a sua aplicação”, advogou, apelando à ação das autoridades.
Para o PS, a “lei é sempre um detalhe”, prosseguiu a deputada social-democrata, acusando o Executivo de querer adequar a lei à sua conveniência para “sanar eventuais incompatibilidades”.
“Se há lei cumpra-se a lei”, disse o líder parlamentar da IL, observando que isso não signifique que “concorde com a lei ou com normas específicas”.
Rodrigo Saraiva lamentou que a Entidade para a Transparência, criada em 2019 para reforçar a fiscalização dos rendimentos dos políticos, não tenha ainda saído do papel. E responsabilizou ainda o primeiro-ministro por não ter recorrido ao TC face à inconstitucionalidade suscitada pela lei, como revelou o parecer da PGR.
Bloco volta a atacar Marcelo sobre incompatibilidades
“Quem marcou este debate sabe que a lei existe, não foi colocada na gaveta, não existe um vazio legal”, frisou o líder parlamentar do BE, lamentando o ‘timing’ da discussão, no dia em que o Expresso avança que os roubos nos supermercados dispararam e aumentou o “empobrecimento” no país.
Pedro Filipe Soares garantiu que o Bloco “não confunde fiscalização com justicialismo”, numa crítica ao Chega, mas não hesitou em atacar também o Presidente da República, que pediu ao Parlamento a revisão da lei das incompatibilidades. Dizer que há um “emaranhado legal” é “incompreensível” e “não é sério”, além de apontar para “um conjunto de leis já revogadas que não estão em vigor”, sustentou, num ataque semelhante ao feito na semana passada no Twitter.
Em resposta, o deputado socialista Pedro Delgado anuiu, falando numa “mensagem confusa” do PR, que “cita normas já revogadas” e invoca “matérias que em 2019 deixaram de lá estar na lei” e até aspetos que "nada têm a ver com incompatibilidades”.
Na mesma linha do BE, a líder parlamentar comunista, Paula Santos, apontou para a lei em vigor, defendendo que “deve ser cumprida por todos” e que se exigem ao Governo mais esclarecimentos, assim como o “apuramento” destes casos por parte das autoridades competentes. “O PCP sempre defendeu que não pode haver qualquer confusão entre os interesses públicos e privados e pôr fim à promiscuidade entre o poder político e económico”, vincou.
Farpas ao Chega e ao "aproveitamento político" dos casos
Já a deputada do PAN, Inês de Sousa Real, alertou também para a importância de a Entidade para a Transparência sair finalmente do papel e de se rever a lei das incompatibilidades, de forma a responder às dúvidas: "Temos a oportunidade de corrigir a legislação e de dar o exemplo, pois também serve para ajudar a democracia”, frisa.
Rui Tavares, do Livre, considerou, por sua vez, que estes casos de alegadas incompatibilidades "não são sobre a espuma dos dias" e será importante esclarecê-los e evitar situações semelhantes no futuro. “A história deste tema é a luta entre a democracia e o populismo”, realçou, apontando para o aproveitamento político pela extrema-direita.
Um alerta, aliás, que foi feito ao longo de todo o debate. Além da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, o deputado Pedro Delgado Alves criticou também a proposta do Chega para alteração à lei das incompatibilidades, acusando-a de responder “estritamente” à agenda política do partido. E assegurou, em resposta ao PSD, que o partido está disponível para “contribuir para a melhoria da legislação”, mas “não à pressa”. “Seria um péssimo serviço”, resumiu.
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