Política

Líder parlamentar do PSD adverte para “dupla tenaz”: inflação e crédito à habitação. E acusa Governo de não ter “resposta robusta”

Líder parlamentar do PSD adverte para “dupla tenaz”: inflação e crédito à habitação. E acusa Governo de não ter “resposta robusta”
Nuno Botelho

Durante quase uma hora, Joaquim Miranda Sarmento deu uma aula de economia e fez tiro ao Executivo, apontando a “descoordenação” entre governantes. E sublinhou que, apesar de a inflação ser um tema “urgente”, “o principal problema do país” é mesmo a falta de crescimento económico

“Vamos viver algum tempo com uma inflação acima de 2%.” O alerta foi feito pelo líder da bancada parlamentar do PSD no final de um jantar que se transformou numa aula de economia, com direito a várias alfinetadas ao Governo. Joaquim Miranda Sarmento acusou o Executivo de António Costa de não dar “uma resposta robusta aos problemas das famílias e empresas” face à “dupla tenaz” em que os portugueses se encontram: a subida da inflação e das taxas de juro ao crédito à habitação.

A encerrar o primeiro de dois dias do 1º Encontro Interparlamentar do PSD, que decorre entre esta quarta e quinta-feira em Ponta Delgada, na ilha açoriana de São Miguel, Miranda Sarmento lembrou o óbvio: “a inflação torna os bens e serviços cada vez mais caros”. Mas “a segunda tenaz, bastante mais preocupante, tem a ver com as prestações bancárias, nomeadamente com as prestações do crédito à habitação”. O problema é que se no primeiro caso o chamado “efeito de substituição” pode atenuar o garrote financeiro familiar, no segundo tal não se aplica com idêntica facilidade.

Trocando por miúdos, isto significa que, perante o aumento dos preços dos bens e serviços, “muitas famílias, sobretudo as de menores rendimentos”, podem “substituir determinados tipos de consumos por outros”, comprando “carne mais barata” ou recorrendo a “marcas brancas”, por exemplo. Contudo, até isto tem “limites” no caso de a inflação continuar a subir e os salários não acompanharem essa subida. Já a prestação bancária do crédito à habitação não goza, à partida, do tal efeito de substituição por ser “fixa”, isto é, “ao rendimento disponível das famílias é subtraído aquele valor mensal”. Miranda Sarmento ainda tentou dar um vislumbre de esperança, apontando que “o único efeito de substituição que as famílias poderiam ter, mas que, na maior parte dos casos, não é exequível era mudarem para uma casa menor”. Acontece que como os preços do imobiliário em Portugal subiram muito nos últimos sete, oito anos, “esse efeito também se dilui”, além de que “mudar de casa tem um custo de transação elevado”.

Por isso, o líder da bancada social-democrata anteviu que, no próximo ano e meio a dois anos, os portugueses irão “sofrer significativamente estes dois efeitos – e sem que o Governo tenha, até agora, dado uma resposta robusta e eficiente aos problemas das famílias e das empresas”.

Por outro lado, sendo um tema “urgente”, que “já está a ter um impacto muito significativo na vida das famílias – e das empresas também –, mas sobretudo das famílias”, a inflação “não nos deve fazer esquecer o principal problema do país: a falta de crescimento económico”. “E as perspetivas de crescimento para os próximos anos continuam a ser bastante desanimadoras”, sublinhou Miranda Sarmento.

“Talvez o maior exercício de mistificação na política portuguesa”

A aula de economia, que ultrapassou a meia hora e foi seguida de uma sessão de perguntas e respostas de 20 minutos, começou com críticas ao Governo, não apenas devido à inflação, mas também pela gestão política de um Executivo com maioria absoluta. Por partes, “um dos mitos que o Governo tentou criar no início da guerra foi que o problema da inflação tinha começado no dia 24 de fevereiro, quando a Federação Russa invadiu a Ucrânia”, o que é “falso”. O problema vinha a ser discutido e estava “em crescendo desde o final do verão do ano passado”, tendo a guerra sido “um acelerador, um catalisador”, frisou.

Ora, “durante meses a incapacidade ou a falta de vontade de ver o que começava a ser evidente para a esmagadora maioria dos economistas, de que a inflação não ia ser um processo transitório, levou a que o Governo não tivesse respondido a tempo às necessidades das famílias e das empresas”. Por isso, tendo esperado até setembro, o Governo “atuou de forma tardia” e, pior, no pacote de apoio às famílias fez “talvez o maior exercício de mistificação” que Miranda Sarmento disse ter visto na política portuguesa.

O primeiro-ministro tentou convencer os portugueses de que estava a dar um suplemento, um adicional aos pensionistas, prosseguiu, mas “não é nada disso”. Foi antes “uma forma encapotada e dissimulada de esconder um corte de mil milhões nas pensões”. “Sem explicar a razão”, o chefe do Governo “decidiu cortar 3,5% em todas as pensões, desde a pensão mais baixa (288 euros) até qualquer outra pensão”, apontou. Mais tarde, “para tentar arranjar uma desculpa” para o corte, “a primeira coisa que fez foi falar da sustentabilidade da Segurança Social, o que não deixa de ser interessante porque é um tema de que o PS sempre fugiu e sempre garantiu que a Segurança Social era sustentável durante 25 ou 30 anos”.

Mais: “além deste exercício mal feito do ponto de vista da projeção de contas, que os principais economistas que estudam a Segurança Social já desmontaram ao detalhe, o ministro das Finanças teve uma explicação diferente da do primeiro-ministro”. Para Fernando Medina, o que temos é “um problema orçamental para 2023-24 e, por isso, é que estamos a cortar mil milhões nas pensões”. E se aos pensionistas o Governo cortou meia pensão, aos funcionários públicos prepara-se para fazer um corte real de um salário, contabilizou o líder parlamentar do PSD.

“O Governo é muito bom a iludir e péssimo a governar”

É um “efeito de ilusão monetária”, referiu – ou seja, “nominalmente as pensões vão subir, nominalmente os salários da Função Pública vão subir, mas, do ponto de vista do poder de compra, vão diminuir”. Exemplo: “se a inflação for de 8% e uma pessoa for aumentada de €1000 para €1030, essa pessoa teve um corte no seu poder de compra real de 5%”. Concretizando, “o que pode comprar com os €1030 é 5% inferior ao que no ano anterior poderia comprar com €1000, dada a inflação de 8%”.

Já na parte das perguntas e respostas, o eurodeputado social-democrata José Manuel Fernandes aproveitou para lançar, mais do que uma questão, uma série de farpas ao Executivo. “O Governo é muito bom a iludir e péssimo a governar, mas nas palavras também é muito bom. Não há austeridade, há contenção e é para ajudar as famílias. Não há alunos sem professores, há horários por preencher. Não fazem cortes nos orçamentos, fazem cativações”, ironizou. Enquanto isso, “estamos a empobrecer alegremente”, disse, ainda que também considere que “os truques estão todos a chegar ao fim”. Mas, no essencial, o eurodeputado mostrou-se inquieto com a possibilidade de os fundos europeus continuarem a servir para “disfarçar a incompetência socialista”.

Na resposta, Miranda Sarmento anuiu que “o envelope financeiro para esta década é extraordinário”, sublinhando, contudo, que “quando atiramos dinheiro para cima dos problemas, uma das coisas desaparece e raramente é o problema”. E defendeu ainda que “a riqueza das nações não vem da abundância de dinheiro, vem da forma como usamos os recursos de que dispomos”.

Ministro das Finanças “tecnicamente não é conceituado e politicamente é diminuído”

Quanto à política pura e dura, o líder parlamentar já tinha dito que, logo após conquistar a maioria absoluta, e “com uma ou duas exceções, o Governo afunilou-se e ficou cada vez mais centrado na máquina do PS”. Exemplo disso foi António Costa ter colocado os seus “putativos sucessores lá dentro, com os resultados que já estamos a ver”. E “com a agravante de ter um ministro das Finanças que tecnicamente não é um economista conceituado e politicamente é alguém diminuído”.

Também a substituição da ministra da Saúde “mostra a incapacidade do primeiro-ministro de recrutar para lá do aparelho mais duro e entranhado no PS”. Miranda Sarmento falou igualmente de um Governo “descoordenado”, um qualificativo que já havia deixado horas antes em declarações ao jornalistas. “Entre ontem [terça-feira] e hoje [quarta-feira], o ministro da Economia disse uma coisa sobre a redução do IRC, que era importante que fosse transversal para todas as empresas, e foi desautorizado – primeiro pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e depois pelo ministro das Finanças”.

O 1º Encontro Interparlamentar prossegue esta quinta-feira com Paulo Rangel, eurodeputado e primeiro vice-presidente do PSD, José Manuel Bolieiro, presidente do Governo Regional dos Açores, e ainda com o presidente do partido, Luís Montenegro.

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