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Não há memória de um primeiro-ministro anular um despacho de um ministro

Não há memória de um primeiro-ministro anular um despacho de um ministro
Marcos Borga (MB)

Constitucionalistas referem ser inédito o chefe de um Governo revogar ou dar ordem de anulação de um despacho ministerial

Não há memória de um primeiro-ministro anular um despacho de um ministro

Isabel Paulo

Jornalista

A decisão de António Costa de revogar ou dar uma ordem direta pública a um ministro para revogar um despacho suscita "muitas dúvidas jurídicas". Três constitucionalistas ouvidos pelo Expresso sustentam mesmo que "não há memória" de um primeiro-ministro "revogar um despacho" de um ministro, como aconteceu ontem em relação à decisão de Pedro Nuno Santos em relação ao anúncio da nova localização do novo Aeroporto de Lisboa, no Montijo.

Paulo Otero refere que, "além da desautorização pública que pronuncia o início de uma guerra dentro do PS", mais "grave" ainda foi o chefe do Governo "demitir" o ministro das Infraestruturas sem que, aparentemente, tenha pedido primeiro a sua exoneração do cargo ao Presidente da República. "Se o ministro avançou com um despacho à revelia do primeiro-ministro, o normal seria o ministro demitir-se", afirma o constitucionalista, que defende que dada a importância da matéria, ou seja, a localização de uma infraestrutura de interesse nacional, deveria existir "consenso na esfera do Governo e não decorrer apenas da ação" do ministro da tutela.

Apesar de considerar que a decisão política não deveria ser tomada unilateralmente, Paulo Otero adverte que do ponto de vista jurídico um primeiro-ministro "não pode revogar um despacho ministerial", salvo se existir uma lei que atribuiu o dossier do aeroporto ao chefe do Governo, algo que desconhece.

"O primeiro-ministro tem superioridade política para dar indicações aos ministros para revogarem um despacho, mas não ser o próprio a revogar", advoga o professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade

Para Paulo Otero, mesmo os argumentos invocados por António Costa sobre a necessidade de consenso com o maior partido da oposição são dúbios. "Acarinhar o maior partido da oposição contra o seu próprio ministro é inédito na democracia portuguesa e mesmo na ditadura", nota, frisando "desconhecer um caso de revogação da decisão de um ministro".

Tiago Serrão também adianta ao Expresso ser "a primeira vez" que um primeiro-ministro decide revogar à posteriori o despacho de um ministro, decisão que lhe suscita "muitas" dúvidas jurídicas. "A Constituição atribui competências genéricas ao Governo e de coordenação da ação de todos os ministros, embora sem delimitar os seus atos em matéria das suas competências", salienta o professor de Direito da Faculdade de Direita da Universidade de Lisboa, que entende que o comunicado do Governo relativo à anulação do despacho de Pedro Nuno Santos não é sequer claro.

"Não diz preto no branco que revogou, o que diz é que determina ao ministro a revogação, ou seja, parece que dá uma ordem para revogar", sublinha o advogado especialista em Direiro Público, afirmando que "dar ordens para anular um despacho ministerial é uma questão sensível". "Não tenho memória de uma coisa assim", alerta Tiago Serrão, apontando que "quem dirige a ação política e executiva é o Governo", mas a questão da exoneração de um ministro passa pela esfera do Presidente da República.

Jorge Bacelar Gouveia preconiza que na Lei Orgânica do Governo "não há hierarquia entre ministros e o primeiro-ministro não tem competências diretas para limitar as suas ações no âmbito das suas competências". Na ótica do constitucionalista, a revogação de um despacho ministerial afigura-se "estranha". "À primeira vista não é possível, outra coisa é mandar o ministro embora", refere, titulando ser ainda bizarro que António Costa tenha "submetido" um seu ministro "a uma humilhação pública", ao desautorizá-lo politicamente. "Tudo isto é uma trapalhada", remata Bacelar Gouveia.

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