A lei que prevê a despenalização da morte medicamente assistida foi aprovada hoje na Assembleia da República. É a terceira vez que isso acontece, mas o processo está longe de estar fechado
A lei da eutanásia já não tinha sido aprovada?
Sim. Anteriormente, a Assembleia da República já tinha aprovado a lei da morte medicamente assistida por duas vezes: a primeira em dezembro de 2020, a segunda em novembro do ano passado. O primeiro diploma foi rejeitados pelo Tribunal Constitucional e o segundo foi vetado pelo Presidente da República.
O que muda desta vez?
Sobretudo, a linguagem. Na primeira vez, os juízes do Palácio Ratton alertaram que a expressão “lesão definitiva de gravidade extrema” como um critério para se ser eutanasiado era “imprecisa”. Na segunda vez, os deputados introduziram um artigo com as definições dos conceitos . Contudo, o Presidente da República chamou a atenção para a presença de vários termos idênticos em partes diferentes do texto – exigência de “doença fatal”, “doença incurável” mesmo se não fatal, e “doença grave” – abrindo a porta a dúvidas de interpretação jurídica e, por isso, usou o veto político para devolver o diploma ao Parlamento.
Em resposta, os deputados uniformizaram a linguagem: o diploma hoje aprovado retira a expressão “doença fatal” e define como critério a existência de uma “doença grave e incurável”.
A lei vai entrar já em vigor?
Não. Agora que a lei foi aprovada na generalidade, vai ser debatida em sede de especialidade pelos deputados e só depois haverá uma votação final global, que o PS quer que aconteça em setembro. Se esse processo for concluído, o diploma será enviado para o Presidente da República, que tem todo o seu leque de possibilidades aberto: promulgação, veto ou envio para o Tribunal Constitucional.
Falta decidir mais alguma coisa?
Sim. É no debate da especialidade que se vão decidir alguns detalhes do diploma relacionados com a regulamentação da morte medicamente assistida. A Iniciativa Liberal defende, por exemplo, que a atribuição dos médicos especialistas que participem na decisão sobre a eutanásia de doentes seja feita por sorteio. O PS e o BE não concordam com esta solução à partida, mas mostram-se disponíveis para chegar a acordo no debate da especialidade.
Que opções tem agora o Presidente da República?
Marcelo já garantiu que não vai decidir com base nas suas convicções pessoais. O Presidente da República tem agora de esperar pelo fim do debate na especialidade e só depois vai receber o diploma em Belém. Como estamos no início de uma nova legislatura, Marcelo volta a ter na mesa as três opções que teve no passado: enviar a lei para ser escrutinada pelo Tribunal Constitucional (como fez em 2021), devolver o diploma à AR (como fez em novembro do ano passado), ou promulgar o diploma. O objetivo de Belém é aprovar uma lei que seja inatacável do ponto de vista jurídico.
Então é possível que o Presidente da República levante dúvidas outra vez?
Sim. Como a atual legislatura começou agora, é como se o processo legislativo tivesse voltado ao início – na prática, como se as outras duas tentativas de introduzir a lei não tivessem acontecido. “Uma vez votada a lei, se o PR tiver dúvidas de constitucionalidade manda para o TC, se não tem dúvidas de constitucionalidade, mas uma outra objeção, convida a Assembleia a reapreciar”, descreveu Marcelo na semana passada. No entanto, caso o chefe de Estado decidir devolver esta lei à AR, abrem-se dois caminhos: os deputados podem fazer alterações e, aí, o Presidente volta a poder enviar para o TC ou vetar novamente; ou enviá-la exatamente como está para Belém e, nesse cenário, Marcelo terá de promulgar
Ainda é possível a eutanásia ser alvo de referendo?
O referendo já foi rejeitado por duas vezes. Primeiro, em outubro de 2020, quando foi proposto por uma iniciativa popular que juntou mais de 100 mil assinaturas. Depois, esta quinta-feira, quando foi proposto pelo Chega. Contudo, ainda poderá haver uma terceira proposta: o novo líder do PSD, Luís Montenegro, é um defensor do referendo, pelo que na próxima sessão legislativa pode querer que o seu partido faça uma proposta nesse sentido. Contudo, como o PS é contra, dificilmente será aprovada.
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