No mesmo dia em que a Polícia Judiciária fez buscas na Câmara Municipal de Setúbal, o Parlamento realiza uma série de audições sobre o escândalo da receção dos refugiados ucranianos por russos, em Setúbal - que inclui a ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, que tem a tutela do Alto Comissariado para as Migrações. Pavlo Sadokha, presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal AUP), o primeiro a ser ouvido, contou aos deputados que começou por denunciar estas situações em 2011 ao Alto Comissariado para as Migrações.
Essas denúncias acentuaram-se depois da anexação da Crimeia, em 2014, e, em 2017, o processo culminou com a saída da AUP do colégio eleitoral que escolhe o representante ucraniano, por entenderem que se participassem era uma forma de "legitimar as eleições". O problema aqui era o colégio eleitoral do Conselho das Migrações, em que o Alto Comissariado admitia que houvesse uma maioria de associações russas ou pó-russas a participar na escolha do representante da comunidade ucraniana naquele organismo. "Havia duas organizações ucranianas e seis pró-Rússia", disse Sadokha, que depois havia de corrigir e dizer que se referia a associações pró-Putin.
O representante dos ucranianos recordou ainda a festa russa do 9 de maio em Lisboa - o Regimento Imortal ou Dia da Vitória e da Guerra Patriótica -, onde há quatro anos apareceu Igor Khashin, a figura central do caso de Setúbal a discursar, e onde havia manifestantes com as bandeiras das repúblicas separatistas do Donbas. Nessa época, Khasin era não só líder da Edintsvo - a polémica Associação dos Emigrantes de Leste que prestava serviço à Câmara de Setúbal, mas que teve também colaborações com o SEF e com o IEFP - era também líder regional europeu dos conselhos dos compatriotas russos.
Pavlo Sadokha disse ainda aos deputados ter também denunciado ao Alto Comissariado que algumas daquelas associações estavam inscritas e referenciadas no site da Russkyi Mir e da Rossotrudnichestvo, órgãos dependentes do Kremlin, com objetivos de divulgar a cultura russa, mas também propaganda e desinformação.
Depois o período de perguntas e respostas - em que a deputada Alma Rivera, do PCP, foi a única a não querer colocar questões -, foi ouvido Abraão Veloso, da Associação Centro Social e Cultural Luso Ucraniano, de Braga, que disse ter desde o início cuidado na receção dos refugiados e que classificou o que se passou em Setúbal como "fala de bom senso e falta de respeito pelo outro". O dirigente associativo referiu que o padre Vasil, um ucraniano com quem a associação trabalha, alertou para haver atenção "aos ucranianos que pertenciam aos separatistas. Desde a primeira hora que temos tido esse cuidado", afirmou. Abraão considerou "uma falta de bom senso", pessoas "fugirem mais de 3 mil quilómetros, sujeitas a violência física e psicológica e depois no sítio de acolhimento encontrarem alguém que fala russo e que eles à partida identificam logo com quem lhes causou aqueles problemas".
"O associativismo é livre, essas associações têm todo o direito a existir, mas há uma inteligência russa muito atuante e com muito dinheiro", disse ainda Abraão Veloso. "Com dinheiro metido nestas associações ao serviço do sr. Putin, não podem ser reconhecidas como interlocutores", concluiu.
Alguns deputados, como Bruno Nunes, do Chega, criticaram esta audição de Abraão Veloso, por estar fora do contexto, visto que a associação que representa ser de Braga e não conseguir esclarecer os casos na autarquia de Setúbal.
Em resposta, o dirigente salientou que aceitou ter ido a esta comissão por considerar que seria perfeitamente inaceitável uma situação destas. "É uma falta de bom senso político e de respeito. Não posso ligar a língua russa ao agressor, mas o agressor fala a língua russa. Pessoas que se deslocam 3 mil quilómetros estão muito desgastadas. O ideal seria encontrar um falante de ucraniano e não um falante de russo para ajudar nos seus problemas. Não há situações 100% perfeitas. Por morrer uma andorinha não morre a Primavera. Haver falantes de língua ucraniana é uma mais valia, no primeiro embate com a comunidade que chega ao país. Muitos só falam ucraniano."
Texto em atualização
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