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Lisboa. Moedas aprova plano climático herdado de Medina

Carlos Moedas vai receber estudantes nos Paços do Concelho
Carlos Moedas vai receber estudantes nos Paços do Concelho
ANDRÉ KOSTERS/LUSA

Executivo de Moedas tem vindo a afastar-se da estratégia do mandato anterior, mas aprovou esta quarta-feira um plano desenhado ainda em 2021, que prevê, entre outras medidas, a retirada de carros e lugares de estacionamento na zona da Baixa. Plano aprovado quase por unanimidade. Bloco absteve-se devido a alteração do texto proposta pela GALP

A Câmara de Lisboa aprovou esta quarta-feira o Plano de Ação Climática para Lisboa 2030 (PAC 2030), que segue agora para aprovação final na Assembleia Municipal. O documento é uma espécie de guião de combate às alterações climáticas, de forma a que Lisboa reduza 70% das emissões de carbono até 2030, no caminho para atingir a neutralidade climática em 2050. A dúvida é mesmo como se fará esse caminho.

O PAC 2030 inclui medidas das quais o executivo de Carlos Moedas se tem, para já, afastado, como é o caso da Zona de Emissões Reduzidas da Avenida da Liberdade e Baixa-Chiado (ZER ABC), e parece ser contrário a outras propostas defendidas pelo mesmo Moedas, como os descontos no estacionamento para residentes, que são entendidos por vários especialistas em mobilidade como um incentivo ao uso do carro.

Um plano cuja versão final, de 180 páginas, foi ultimada em agosto de 2021, quando ainda era Fernando Medina o presidente da câmara e que contou com contributos de várias entidades e com um período de consulta pública. Em resumo, um caminho para uma cidade com mais bicicletas, mais transportes públicos e menos carros.

Carlos Moedas tem concordado com essa necessidade, embora recusando o caminho seguido pelo antecessor. Em relação à ZER ABC, por exemplo, o vereador da Mobilidade, Ângelo Pereira, defendia no início do mês ao Expresso que era preciso tornar a zona da Baixa num “espaço urbano vivo e reabilitado”, mas “sem restringir o seu acesso a qualquer rede”. Ou seja, oferecer alternativas, como mais transportes públicos, e deixar os cidadãos decidir quando usar o carro, sem impedir o acesso ou cortar lugares de estacionamento.

Ora, isso é precisamente o que sugere a proposta da ZER ABC, incluída no PAC 2030 — passa por reduzir cerca de 40% dos carros nesta zona, condicionando o acesso apenas a veículos autorizados e eliminando centenas de lugares de estacionamento. O objetivo final é ter menos cerca de 40 mil carros a circular diariamente neste eixo.

No documento agora aprovado lê-se, aliás, uma justificação para isso: o eixo Avenida/Baixa/Chiado já é “a área da cidade com maior cobertura de transporte público: duas linhas de comboio, duas linhas de metro, duas estações fluviais, 15 carreiras da Carris, dez praças de táxi e mais de 5 mil lugares em parques de estacionamento”.

Outra proposta controversa da nova mobilidade na CML diz respeito aos descontos no estacionamento, através da gratuitidade dos primeiros 20 minutos e de uma redução de preço de 50% no restante período para todos os residentes na cidade. “Não conheço nenhuma cidade europeia do século XXI que tenha uma medida deste género. É completamente contrária a tudo o que diz a literatura e às experiências em outras cidades”, resumia ao Expresso, no mesmo artigo, Rita Castel’Branco, urbanista e especialista em mobilidade urbana. Uma nota relevante tendo em conta que Lisboa faz parte, desde 2019, da rede C40, um grupo de metrópoles mundiais comprometidas com o esforço climático.

Segundo fontes ouvidas pelo Expresso, na reunião desta quarta-feira, em que Carlos Moedas não participou, alguns vereadores expuseram as contradições à equipa que lidera a Câmara Municipal (CML), que respondeu que está “a analisar” as várias possibilidades. “Disseram que tinham outra maneira de chegar ao mesmo lado”, resume uma dessas fontes.

A verdade é que o executivo não tinha muito mais tempo para aprovar este plano. Como se lê na ordem de trabalhos da reunião desta quarta, Lisboa “comprometeu-se com a rede C40 a aprovar durante o primeiro trimestre de 2022 o Plano de Ação Climática 2030 da cidade”. Ou seja, o prazo está perto do limite.

Com esta aprovação, que ainda tem de ser confirmada na Assembleia, “o Município de Lisboa propõe-se rever, monitorizar e acompanhar as ações do Plano definidas no PAC 2030 e outras que possam vir a ser adotadas, com vista a acelerar a transição energética e o roteiro para a neutralidade climática”.

Bloco contra alteração da GALP

O documento foi aprovado por ampla maioria — apenas o Bloco de Esquerda não votou a favor, abstendo-se. O partido, que tem um lugar de vereação na autarquia, justifica o sentido de voto com uma alteração feita ao plano durante o período de consulta pública, por sugestão da GALP.

Os bloquistas validam o PAC, que tem medidas como “as ZER, o plano Solar da CML, o Plano de Drenagem, o Programa de Renda Acessível, o combate à pobreza energética e a aposta nos transportes públicos”, mas recusam “a interferência da GALP na questão do gás”, quando a empresa pediu a eliminação de uma frase incluída no texto: a eliminação do gás natural até 2025.

A imagem abaixo esclarece essa alteração:

O PAC de Lisboa é um documento estruturante para a vida na cidade na próxima década e divide-se em 39 medidas chave, dentro de dez áreas de intervenção, listadas abaixo:

  1. Edifícios

  2. Transportes e mobilidade

  3. Energia e produção local

  4. Resíduos e águas residuais

  5. Infraestrutura verde

  6. Água

  7. Ordenamento do território

  8. Segurança de pessoas e bens

  9. Capacitação e Sistemas de Informação

  10. Governação e Cidadania

Apesar de Portugal estar entre os dez países com melhor qualidade do ar, entre os 41 presentes nos relatórios da Agência Europeia do Ambiente, aponta o documento, há quase seis mil mortes prematuras relacionadas com a poluição atmosférica no país, nomeadamente por efeito de partículas finas e de dióxido de azoto.

A última década, porém, serviu para um “decréscimo significativo” das emissões da maioria dos poluentes em Lisboa, graças ao aumento dos espaços verdes, à criação de zonas de 30 km/h, essencialmente em bairros residenciais, à consolidação da rede de ciclovias, com lugares de estacionamento gratuito para bicicletas ou a renovação da frota municipal, “através da aquisição de veículos mais limpos e eficientes”.

O novo executivo tem defendido a ideia de que, para recusar uma estratégia “proibicionista”, consegue reduzir as emissões em Lisboa apostando numa transição para a mobilidade elétrica, mesmo que em automóveis individuais. “O paradigma do automóvel como agente poluente em termos atmosféricos e sonoros está a mudar em linha com a evolução tecnológica, e com a maior consciência social das pessoas perante os problemas ambientais. É aliás expectável que o número de automóveis menos poluentes aumente significativamente em sintonia com o aumento do mercado, dos incentivos públicos, e das estruturas de apoio, que também estamos a desenvolver em Lisboa em favor dos automóveis elétricos”, detalhou Ângelo Pereira.

Esta semana, em entrevista ao DN, Carlos Moedas insistiu nessa tónica. “Acho que vamos ter, obviamente em concertação com a União Europeia e com os construtores de automóveis, de definir uma data-limite na Europa para os carros a combustão de energia fóssil”, admitiu, para depois ressalvar que “um carro elétrico tem uma bateria que tem de ser reciclada, mas a poluição será diminuta”.

Sobre a ZER, defendeu a decisão de pôr o plano de Medina na gaveta. “Dizem que 'o Carlos Moedas andou para trás'. Eu não andei para trás. Estamos é num momento em que as pessoas estão a sair de uma pandemia, estamos em recuperação, e os cidadãos não aceitariam que de repente na Baixa já não pudesse haver carros.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: jdcorreia@expresso.impresa.pt

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