Operação Miríade. Costa também não foi informado pelo ministro da Defesa. Nova tensão entre Costa, Cravinho e Marcelo?
Comandos da 2ª Força Nacional Destacada na República Centro-Africana, ao serviço da MINUSCA, em 2018, na estrada entre Bangassou e Bangui. A viagem entre as duas cidades, separadas por cerca de 700 quilómetros, demora quatro dias
Tiago Miranda
“A mim não me informou de certeza. Isso é muito claro”, declarou o primeiro-ministro, referindo-se ao seu ministro da Defesa. Costa não exclui uma possível nova turbulência entre o Governo e a Presidência. Marcelo fez saber que Cravinho invocou “pareceres jurídicos” para não o ter informado. Ficou por explicar como é que quem elabora um parecer jurídico pode saber do caso mas o comandante supremo das Forças Armadas não
O ministro da Defesa informou as Nações Unidas sobre as suspeitas de tráfico de diamantes, ouro e droga que envolve militares portugueses na República Centro-Africana (RCA). Quem João Gomes Cravinho não informou foi Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, que é por inerência do cargo o comandante supremo das Forças Armadas. E depois do ministro dos Negócios Estrangeiros foi o próprio primeiro-ministro que veio esta quarta-feira dizer que também não foi informado.
“A única coisa que posso confirmar é que efetivamente também não informei o senhor Presidente da República pelo simples facto de que eu também não estava informado dessas ocorrências”, afirmou António Costa. Relativamente a um eventual desencontro de versões, Costa foi perentório: “A mim não me informou de certeza. Isso é muito claro.” Questionado sobre se este caso belisca as relações entre o Governo e a Presidência, o primeiro-ministro não exclui uma possível turbulência entre os Palácios de São Bento e de Belém. “Bom, isso aí, o Presidente da República terá de dizer qual é a avaliação que tem a fazer sobre a matéria.”
Costa remeteu para as declarações da véspera de Marcelo Rebelo de Sousa, que revelou que o ministro da Defesa lhe “explicou” que “naquela altura [início de 2020] comunicou às Nações Unidas, porque se tratava de uma força das Nações Unidas, que havia suspeitas relativamente a um caso em investigação judicial, e que na base de pareceres jurídicos tinha sido entendido que não devia haver comunicação a outros órgãos, nomeadamente órgãos de soberania, Presidência da República ou Parlamento”.
Ficou por explicar como é que quem elabora um parecer jurídico pode saber do caso mas o comandante supremo das Forças Armadas não. E isso João Gomes Cravinho não esclareceu quando questionado pelos jornalistas antes da abertura solene do ano letivo no Instituto da Defesa Nacional, em Lisboa. Em vez disso, o ministro da Defesa quis “desfazer a ideia incorreta de que não havia fiscalização” das bagagens. “Havia procedimentos de fiscalização e houve um reforço dessa fiscalização depois das denúncias”, sustentou, remetendo para o Estado-Maior-General das Forças Armadas mais pormenores sobre este reforço por ser esta a entidade “responsável operacionalmente por todas essas matérias”.
O ministro da Defesa garantiu sentir-se “absolutamente” confortável no cargo, uma vez que “as instituições funcionaram de forma absolutamente correta”, o que “obviamente” lhe dá “satisfação”. Gomes Cravinho afirmou ainda desconhecer “a abertura de qualquer inquérito” por parte das Nações Unidas ou a possível existência de “outros países envolvidos”.
Esta não é a primeira vez que Cravinho, Costa e Marcelo se veem enredados em incidentes institucionais. Ainda há pouco mais de um mês, o Presidente da República só teve conhecimento da conversa em que Cravinho chamou o ainda Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), o almirante António Mendes Calado, para o exonerar “depois de ela ter acontecido”. Marcelo desautorizou o ministro em público, lembrou que a substituição do CEMA - presumivelmente pelo vice-almirante Henrique Gouveia e Melo -, quando acontecer, será uma decisão sua e alertou estar em causa “o prestígio das instituições”. Costa pediu uma audiência, acompanhado por Cravinho, em Belém. No final do encontro, uma nota lacónica da Presidência anunciou que os “equívocos ficaram esclarecidos”.
Entretanto, o juiz de instrução Carlos Alexandre decidiu aplicar a medida de coação mais gravosa, a prisão preventiva, a dois dos 11 arguidos detidos no âmbito da Operação Miríade, segundo divulgou esta quarta-feira o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa.