Política

António Costa sai da liderança do PS se perder as eleições antecipadas

António Costa, em entrevista ao Expresso
António Costa, em entrevista ao Expresso
Tiago Miranda

Se ganhar fica, se perder as eleições antecipadas sai da liderança do PS e dá início a um novo ciclo. O primeiro-ministro, em entrevista à RTP, apontou a mira a uma maioria absoluta e garantiu que vai dialogar mesmo que a consiga. Nova ‘geringonça’? Costa foi escorregadio sobre a relação com a esquerda, esperando que as eleições ajudem a que PCP e BE definam o seu papel, mas assumiu que “é um facto” que a ‘geringonça’ morreu. Contudo, depois das eleições “um novo ciclo se abre”. Pelo meio ainda deu tempo para defender a posição de Marcelo Rebelo de Sousa: “Ninguém pode apontar o dedo ao Presidente”

António Costa sai da liderança do PS se perder as eleições antecipadas

Liliana Valente

Coordenadora de Política

Na primeira entrevista depois do chumbo do Orçamento do Estado, António Costa foi fazer o seu relatório de fim da ‘geringonça’ e apontar para o que será o seu discurso em plenas eleições legislativas antecipadas: não responder à esquerda - apesar de volta e meia acabar por lançar algumas farpas -, dizer que não fecha portas e apontar a mira a uma maioria absoluta. Na entrevista à RTP foi desdramatizar a possibilidade de o PS ter maioria absoluta - "não seria perigoso" -, garantir que voltará a negociar com os antigos parceiros - quer tenha maioria ou não - e assumir que cá continuará se ganhar as eleições. Se as perder, "obviamente não ficaria na liderança [do PS] e isso significaria abrir um novo ciclo de governação". Não é, no entanto, nesse cenário que se move.

Para campanha leva ainda alguns argumentos: "O PS é o referencial de estabilidade", defendeu, e para o provar falou de vários níveis: primeiro que aceita a decisão do Presidente da República, depois que, em termos de governação, mais não fará do que "é normal e corrente". Como tal não haverá aumentos extraordinários a 1 de janeiro - esses ficam para o programa eleitoral com a promessa de serem pagos com "retroativos".

"Não quero abrir feridas que importa sarar"

A primeira parte da entrevista foi um relatório do que considera que aconteceu para que houvesse um chumbo do Orçamento do Estado. Disse que "só no final" percebeu que o Orçamento iria ficar pelo caminho. "Tenho muita pena", disse em entrevista à RTP, e acrescenta que "tinha uma réstia de esperança que no último minuto alguém percebesse que o país precisava de um Orçamento".

Sobre as negociações falhadas, António Costa diz que houve "dois pontos que bloquearam" as negociações: um sobre a sustentabilidade da Segurança Social (penalizações das reformas antecipadas) e outro sobre o aumento do salário mínimo. Sobre este assunto, o primeiro-ministro diz que o que lhe era proposto era "subir só no próximo ano mais do que nos quatro anos anteriores - era muito fácil para mim dizer que sim". "Era mais fácil para mim dizer que sim ou dizer que não. Eu não tenho mandato para isto, não tenho", defendeu depois de referir que não podia pedir às empresas que saíram da pandemia que assumissem um aumento de 13% (para chegar aos 800 euros em 2022 propostos pelo PCP).

"É realista? Não é se é desejável", disse, para acabar a deixar no ar a possibilidade de não haver acordo com os parceiros sociais: "Vamos lá a ver se há acordo para os 705 euros". Nos anos anteriores não houve acordo e o Governo assumiu o aumento.

E que resposta dá às críticas que lhe têm sido feitas pelos partidos da esquerda? "Não quero abrir feridas que importa sarar. Tenho-os ouvido e não lhes vou responder. O país não quer mais polémicas e tricas políticas." Apesar disto, acabou por enviar uma farpa ao considerar que "os políticos não tiveram respeito pelo que as pessoas sofreram" durante a pandemia. Inclui-se nesse grupo dos políticos? O primeiro-ministro diz que se tem "perguntado muitas vezes" sobre o seu papel para que não houvesse acordo sobre as tais duas medidas que bloquearam a negociação e insistiu na ideia que "em consciência" nada poderia ter feito de diferente para não comprometer empresas e a saúde da Segurança Social.

"Fomos ao limite dos limites. Não acho que tenhamos ido longe demais", defendeu.

"Não é possível apontar o dedo do Presidente da República"

António Costa defendeu a posição de Marcelo Rebelo de Sousa de avançar para eleições antecipadas, dizendo que avançou para a "menos má" das opções e que "ninguém pode dizer que foi enganado" pela decisão. Garante que Marcelo o avisou "do que diria", até porque houve uma "rejeição de fundo", e o Presidente da República entendeu "que a base política de apoio a este Governo tinha desaparecido".

"Compreendo a decisão do Presidente da República", disse. E finalizou sobre este tema: "Não é possível apontar o dedo ao Presidente". E quanto a data de eleições? "Quanto mais depressa melhor."

"Mesmo com maioria não deixaremos de dialogar e de negociar"

Uma da mensagens que António Costa tinha preparada para este debate é a de que "não é perigoso" o PS ter maioria absoluta. Numa grande parte da entrevista em que falou sobre o que fará se não tiver maioria absoluta, o primeiro-ministro quis começar por desdramatizar esse cenário de maioria absoluta. Relembrando que enquanto presidente da Câmara de Lisboa teve maioria e não teve "e o António Costa foi sempre o mesmo", argumentou: "Mesmo com maioria não deixaremos de dialogar e de negociar". Mais tarde acrescentaria: "Com maioria ou sem maioria não deixarei de dialogar… e também não deixarei de negociar com o PSD". Foi das poucas referências que fez à direita, dizendo ainda que precisam de se "arrumar".

Referindo sempre que espera pelo resultado das eleições, não fecha a porta a uma futura ‘geringonça’, mas repete que ela é difícil dado que tanto a direção política do PCP já disse que não haverá e que a líder do BE pede uma mudança no PS para que ela seja possível com outro líder. "Ainda são os militantes do PS que mandam no PS e não Catarina Martins.".

O mote é mais ou menos este: "A ambição do PS não é diferente de ganhar com maior número possível de votos", referiu, pedindo sempre uma "maioria estável". "Bati-me por esta solução, agora eu não escolho a orientação do PCP e do BE. Se optaram por ser paridos de protesto, tenho de respeitar."

Contudo, depois das eleições "outros tempos virão": é um "ciclo novo que se abre" e depois, se não tiver maioria, irá procurar entendimento "estável" com os antigos parceiros, referiu. E acrescentou que os portugueses não entendem se não sair das eleições um Governo estável e duradouro. "Depois destas eleições nada será como dantes", disse ainda.

"Em 2019 candidatei-me para dar continuidade à ‘geringonça’. É esse o meu projeto. Teria traído o meu compromisso com os portugueses se lhes virasse as costas. Não faria nem farei isso", prosseguiu. Por isso: "Peço o vosso voto para termos uma solução estável de governação do PS" - é o que diz que vai “pedir aos portugueses".

Aumento extra de 10 euros nas pensões não entra a 1 de janeiro

Sobre a sua atuação enquanto Governo a gerir um Orçamento em duodécimos, António Costa diz que apenas fará "o que é normal e corrente fazer" e que isso exclui o que é extraordinário. Assim, a 1 de janeiro haverá um aumento do salário mínimo para os tais 705 euros propostos por António Costa, serão atualizados os salários dos funcionários públicos (uma atualização prevista por lei pela inflação) e por fim serão atualizadas as pensões.

Contudo, o aumento extra de pensões, os tais 10 euros a 1 de janeiro para as pensões até 1097 euros, só entram em vigor com um novo Orçamento e essa medida passará a estar no programa com que se apresentará a eleições, tal como o Expresso escreveu na sua edição de sábado. "Não devemos fazer tudo o que tem natureza extraordinária", apesar de ser possível por lei fazê-o. "Espero que aconteça [o aumento das pensões], mas não agora a 1 de janeiro", concluiu.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: lvalente@expresso.impresa.pt

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