O primeiro dia do debate do Orçamento do Estado encaminhava-se para o fim quando, no PSD, soaram campainhas de alarme: Marcelo Rebelo de Sousa tinha recebido em Belém o candidato à liderança do PSD Paulo Rangel, assim como tinha recebido o recém-eleito presidente da câmara de Lisboa, Carlos Moedas. Mais: Marcelo estava a "tomar diligências" junto dos deputados do PSD Madeira para segurar o Orçamento. Rui Rio soube do primeiro facto (a audiência de Rangel em Belém) pelo rodapé da RTP segundos antes de ser questionado pelos jornalistas sobre isso, e quanto ao segundo, pegou no telefone e certificou-se ele próprio de que a Madeira não estava à venda. Mas não escondeu a irritação com Marcelo.
É sabido que o calendário de Paulo Rangel é diferente do de Rui Rio e esse terá sido o tema central da audiência, que decorreu "a pedido deste", segundo se lê no site da Presidência da República. Rui Rio entende que, mesmo que este OE viesse a ser aprovado com "pesca à linha", pinos e cambalhotas, estava à vista de todos o fim da geringonça. Logo, caindo o OE, Costa deve demitir-se e acelerar as eleições. Não vale a pena "perder tempo". "A instabilidade está aí. O país não pode ficar pendurado até final de janeiro, fevereiro, março ou abril. Conhecem-me todos, eu coloco sempre o interesse nacional em primeiro lugar". E havendo chumbo, é "clarificar", disse aos jornalistas.
Já Rangel tem dito que o Presidente da Repúlica saberá respeitar os tempos que os partidos precisam e dará tempo para a direita arrumar a casa. Acontece que Marcelo Rebelo de Sousa está, pelo menos até vir dizer o contrário, vinculado aos prazos que ditou a 13 de outubro, véspera do Conselho Nacional do PSD: se o Orçamento chumbar irá desencadear logo o processo de audições para dissolução da Assembleia da República, e haverá eleições. "Em janeiro", disse na altura. Resta saber se, para os partidos da direita arrumarem a casa, dará mais tempo.
A 14 de outubro, o Conselho Nacional do PSD aprovou a marcação de eleições diretas para a presidência do partido para 4 de dezembro e congresso entre 14 e 16 de janeiro, em Lisboa. Uma data proposta inicialmente pela direção do partido, que depois deu um passo atrás e apelou ao adiamento das direitas até haver clarificação sobre crise política nacional. A proposta de adiamento, contudo, foi chumbada no Conselho Nacional, naquilo que foi visto como uma clara vitória de Paulo Rangel junto dos conselheiros.
Paulo Rangel, de resto, há muito que não falava com o Presidente da República. "Há meses que não falo com o Presidente da República, coisa que até não é muito comum”, chegou a dizer o eurodeputado na sessão de apresentação pública da candidatura. Se não falava há meses, falou esta terça-feira - um dia antes de o PR receber os partidos (caso o Orçamento chumbe, de facto). A nota da Presidência, divulgada minutos antes de o debate do Orçamento do Estado terminar, tinha sido lacónica: “O Presidente da República recebeu esta tarde em Belém, a pedido deste, o eurodeputado Paulo Rangel”.
Surpresa na sede. "O Presidente da República falou com o dr. Rangel? Se falou com deputados do PSD? Não sei, não tenho escutas", disse Rio visivelmente surpreendido quando os jornalistas o questionaram sobre se tinha conhecimento das diligências tomadas pelo Presidente e da audiência com Paulo Rangel.
As diligências complementares de Marcelo
Rui Rio não escondeu, de resto, a irritação por Marcelo Rebelo de Sousa estar a participar ativamente na vida interna dos partidos. "Se fez contactos com direções de partidos, é legítimo, se fez com deputados avulsamente, aqui e acolá, já não me parece a forma mais ortodoxa", disse, assumindo que Marcelo não contactou a direção do PSD nas tentativas finais de salvar o Orçamento do Estado, mas terá contactado o PSD Madeira.
Marcelo foi, no mínimo, "pouco ortodoxo", disse Rio, que se apressou a pegar no telefone e clarificar ele próprio a situação junto do presidente do PSD Madeira, Miguel Albuquerque. "As palavras que interpreto são as que eu próprio ouvi dele [de Miguel Albuquerque]: a posição está tomada e está solidária, a Madeira não está à venda e a Madeira tem dignidade", disse Rui Rio aos jornalistas no final da reunião plenária.
Miguel Albuquerque tinha deixado uma mensagem enigmática a partir do Funchal, durante a tarde de hoje, dizendo que "a Madeira está em primeiro lugar, e se precisarem de nós, sabem onde estou". Mas foi com um extremo grau de certeza que Rui Rio o disse aos jornalistas no final do dia: não será por aí que o Orçamento passa. Caso contrário seria uma facada diretamente nas suas próprias costas. A garantia tinha sido dada. Por mais iscos que Marcelo tivesse a pregar aos anzóis.
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