Medina ao centro: “Tantos cérebros” com Moedas e “nenhuma solução para a habitação”, Bloco tem “dogmas e preconceitos”
Ana Baião
Candidato socialista dedicou o dia ao tema da habitação e puxou dos galões do Programa Renda Acessível, deixando nova meta: cinco mil casas durante o próximo mandato. Voltou a atirar à esquerda (em particular ao Bloco) e à direita, sobretudo à proposta de Moedas para a habitação, “um descontozinho para famílias mais ricas”
Ao segundo dia de campanha, Medina mudou o ritmo, mas não mudou o tom. Depois do arranque quase frenético de segunda-feira, com mais de dez horas de campanha junto da população, o candidato socialista optou esta terça por privilegiar um tema concreto — a habitação, sem surpresa — e marcar diferenças face aos adversários. Medina quis mostrar parte da “obra feita” a que aludiu no primeiro dia e lançar o próximo mandato, com uma meta: cinco mil casas de arrendamento acessível em quatro anos.
O número foi dado de forma hesitante. Em 2017, o autarca da capital tinha prometido seis mil fogos nessas condições, e falhou. Desta vez, na presença de engenheiros e arquitetos, quis jogar pelo seguro, baixando a fasquia e sabendo que vários desses projetos estão já em fases adiantadas de execução.
A primeira ação de campanha, aliás, foi num desses edifícios, em Entrecampos, onde Medina apresentou à comunicação social um prédio construído de raiz em terrenos municipais, com uma arquitetura que privilegia o espaço dos apartamentos (sem corredores) e encimado por um terraço com painéis fotovoltaicos que permitem produzir energia para ser usada pelos moradores do edifício e para alimentar a rede.
É a partir desse terraço em Entrecampos que Medina fala, em frente a um mapa com a mancha de casas de renda acessível que o município prevê pôr no mercado. Vestido com um colete refletor da empresa municipal SRU (Sociedade de Reabilitação Urbana) e de capacete, o presidente-recandidato não deixa de apontar aos adversários. Sobretudo à esquerda, e em particular ao Bloco (já ontem o tinha feito).
Enquanto falava dos vários modelos do Programa Renda Acessível (PRA), deteve-se num deles, aquele em que a Câmara faz a concessão de terrenos a privados, por 75 anos, com a condição contratual de que as rendas a cobrar por esses privados tenham um teto igual às do PRA — isto é, no máximo, 30% do salário líquido dos moradores.
É aí que deixa uma nota com destinatário muito concreto. “Faço-o sem nenhum dogma. É isso que me afasta do Bloco, eu não tenho preconceitos.” Medina considera que a concessão a privados é um modelo “que tem virtudes” e que foi sendo “ajustado” ao longo do tempo. Sobre a oposição do Bloco, que prefere a habitação totalmente pública, Medina lê-a apenas como “preconceito” ideológico.
O segundo dia de campanha de Fernando Medina foi dedicado ao tema da habitação e a puxar os galões do Programa Renda Acessível. A meta: cinco mil fogos no próximo mandato
Ana Baião
Como na segunda-feira tinha dito ao Expresso a propósito do apoio às startups e da importância que atribui “ao investimento, empreendedorismo e criação de riqueza”, Fernando Medina coloca-se sempre mais ao centro.
E até recorre a um exemplo que o inspira num país com uma matriz liberal e “um capitalismo avançado”: na Holanda, disse, há séculos uma grande capital do comércio, 42% da habitação tem o valor das rendas controlado. Para Lisboa, não consegue dar “um número mágico”, mas está convicto de que, cumprindo a promessa das cinco mil casas, pode começar a influenciar o mercado.
Sem pressa para preparar o debate
Tudo sai bem a Medina neste arranque de campanha. Se no primeiro dia tivesse havido a chuva que esta terça-feira se abateu sobre a cidade, o candidato não poderia ter feito a arruada entre a Graça e Alfama, sempre a pé, tão pouco o encerramento num Largo do Intendente onde corria apenas uma leve brisa, e que permitiu juntar mais de uma centena de apoiantes.
Desta vez sem grande comitiva, sem gritos de guerra, tem ainda tempo de, do terraço, as nuvens a escurecer ao fundo, responder ao adversário direto, que o acusou de “arrogância, prepotência e falta de transparência”
Questionado sobre as palavras de Carlos Moedas, Medina olha novamente para o mapa com as casas de arrendamento acessível. “Respondo com o que está à minha frente.” E depois vai um bocadinho mais longe. “Estou preocupado em resolver os problemas dos lisboetas. Tantos meses e tantos cérebros a pensar e não conseguiram ter nenhuma solução nem nenhuma proposta credível para resolver os problemas da habitação”. Aliás, tiveram. “A única proposta é dar descontozinhos às famílias mais ricas”, atirou, em referência à promessa do candidato do PSD de isentar do pagamento do IMT os jovens com menos de 35 anos que comprem a primeira casa na capital.
No debate desta quarta-feira, na RTP, que junta todos os candidatos à Câmara de Lisboa, o tema da habitação voltará a ser central, como tem sido nas últimas semanas. Na rua, dos mais novos aos mais velhos, quase todas as críticas, elogios e pedidos dirigidos ao presidente da câmara têm a ver com a habitação. Medina vai-se defendendo e antecipando futuros estragos: “sabemos que vamos lidar com o aumento dos preços da construção e com a escassez de mão de obra, com a Europa inteira a executar o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”.
Em Lisboa, há dois projetos adjudicados à bazuca. O do equipamento do novo Hospital de Lisboa Oriental e o aumento da linha vermelha, de São Sebastião até Alcântara.
Enquanto os candidatos à Câmara de Lisboa tiram o dia para preparar o debate, às 15h, Medina ainda se prepara para almoçar. Excesso de confiança? “Tenho uma agenda e não me desvio dela”
Ana Baião
Ao contrário dos outros candidatos, que interromperam a campanha para preparar o debate televisivo, às 15h, Medina ainda está a ajeitar os talheres para almoçar. Deixou para o fim, depois de uma visita a um antigo edifício da Segurança Social na Avenida Estados Unidos da América, também destinado ao PRA, uma visita ao “É um Restaurante”, um estabelecimento de intervenção social, gerido pela associação CRESCER, onde todos os trabalhadores são pessoas que estiveram em situação de sem abrigo e procuram reinserção laboral.
Excesso de confiança? Segurança de quem tem a vantagem de conhecer o executivo de Lisboa há quase uma década? Risos. “A campanha é um momento alto por natureza do contacto com os cidadãos, a cidade e as suas instituições. Vamos fazê-lo de forma muito ativa até ao final da campanha. É a minha agenda e não me vou desviar dela.”