O primeiro-ministro desvaloriza a contestação da CGTP-IN e do Bloco de Esquerda à agenda da Cimeira Social, que se realiza esta sexta-feira, no Porto, e destaca que a reunião europeia estará centrada na vida das pessoas, sobretudo no emprego.
Esta posição foi defendida por António Costa em entrevista à Lusa, depois de confrontado com eventos paralelos que foram marcados pela CGTP-IN e Bloco de Esquerda, também para o Porto, por ocasião desta cimeira que tem como objetivo desenvolver o Pilar Social Europeu.
O líder do Executivo nega a existência de qualquer contradição entre a política social seguida pelo seu Governo em Portugal e aquilo que agora é proposto no âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE).
Já sobre as ações agendadas pelo Bloco de Esquerda e CGTP-IN, o primeiro-ministro argumenta que "uma das grandes vantagens da democracia é existirem visões diferentes sobre o que é necessário fazer, visões diferentes sobre a legislação do trabalho, visões diferentes sobre a evolução da economia e sobre as políticas económicas".
"Isso é normal e legítimo em democracia e a democracia não se suspende porque há uma cimeira europeia. Portanto, é natural que cada partido diga o que tem de dizer. É sabido, aliás, que a CGTP-IN não é propriamente uma central sindical muito pró-europeia. E o Bloco de Esquerda integra um grupo europeu que faz parte de uma oposição no Parlamento Europeu ao atual executivo comunitário. Portanto, aí não vejo qualquer surpresa nem qualquer alteração", remata.
Em seguida, o primeiro-ministro procura justificar o caráter especial que a presidência portuguesa atribui à reunião europeia no Porto, dizendo que as cimeiras se dedicam "habitualmente a coisas bastante abstratas".
"Desta vez, temos uma cimeira que está concentrada sobre algo que tem a ver com a vida do dia a dia das pessoas, como é que vai ser o seu emprego no futuro, quais vão ser as condições que têm para poderem transitar de emprego, como vão ter acesso a formação que lhes garanta poderem ter mais e melhor emprego, como vão ver assegurada a proteção social em caso de perda de emprego", advoga.
António Costa assinala depois que, caso se analise o plano de ação dos direitos sociais que estará em discussão na Cimeira Social, este documento "tem a dimensão laboral, a do combate à pobreza, e tem as dimensões que têm a ver com a política de habitação e com o acesso à habitação a preços acessíveis".
"Tem a ver com uma política europeia de integração dos sem-abrigo. E, sobretudo, um foco muito grande na importância decisiva de responder às necessidades das novas gerações", indica.
Segundo o primeiro-ministro, em toda a Europa, registam-se "taxas inaceitáveis de desemprego juvenil, níveis de precarização e de desregulação do trabalho das novas gerações e dificuldades de acesso à habitação".
"E essa é a maior ameaça à dinâmica demográfica na Europa. Os populistas gostam de dizer que a grande ameaça demográfica à Europa é a imigração. Mas a maior ameaça demográfica ao futuro da Europa é, de facto, a ausência de condições para as jovens gerações se poderem autonomizar e terem a liberdade de construir a sua própria vida", contrapõe.
Nesta entrevista, o primeiro-ministro recorre igualmente às razões que estiveram na origem dos protestos por parte dos 'gilets jaunes' [coletes amarelos] em França para sustentar a sua tese.
"Em França, começou quando o Presidente [Emmanuel] Macron adotou um conjunto de medidas fiscais para desincentivar a utilização de combustíveis fósseis. Toda a gente aplaude a Greta [Thunberg], os grandes movimentos ambientalistas, mas depois nós não podemos esquecer que essa transição também tem custos para pessoas. E nós estamos a ver", adverte.
Para António Costa, as políticas de transição climática e de transição digital têm por isso de ser "acompanhadas de fortes medidas sociais".
"Caso contrário, criamos fraturas, aumentamos assimetrias, e com essa disrupção social comprometemos o sucesso, que não podemos comprometer, da transição que temos de fazer", acrescenta.
Acordo geral será um marco na história da UE
O primeiro-ministro espera que a Cimeira Social, no Porto, na sexta-feira, seja um marco na história da União Europeia com a obtenção de um acordo geral subscrito por instituições europeias e, pela primeira vez, parceiros sociais.
"Se conseguirmos na Cimeira Social obter pela primeira vez um compromisso em que o Conselho e a Comissão assinam um acordo com a central europeia dos sindicatos, a ETUC, com a Business Europe, que é a associação das SIBS europeia, com a confederação das pequenas e médias empresas (PME) europeias, com a confederação das empresas dos serviços gerais, então é a primeira vez na história da União Europeia que há um acordo geral que reúne todos os parceiros sociais e as instituições europeias", afirmou António Costa em entrevista à agência Lusa.
De acordo com o primeiro-ministro de Portugal, país que preside ao Conselho da UE até junho, esta será "a primeira vez" que um compromisso com esta amplitude é alcançado, "porque em Gotemburgo [na Suécia, em 2017] houve uma declaração que teve um acordo a nível institucional, mas não foi assinado por nenhum parceiro social".
"No primeiro ensaio de cimeira social, quando [Jean-Claude] Juncker era primeiro-ministro do Luxemburgo, os sindicatos não estiveram sequer à mesa. Estiveram simplesmente em manifestação fora. Desta vez, estaremos todos, durante a cimeira, na sexta-feira à tarde, chefes de Estado e de Governo, dirigentes sindicais, dirigentes de empresas, membros da sociedade civil, académicos, nos diferentes painéis, numa discussão aberta, transparente e frontal sobre o que é que deve ser o futuro da Europa social", sustenta António Costa.
Para o primeiro-ministro, "a possibilidade de haver esse acordo, em si, será um marco muito importante" para a União Europeia.
No dia a seguir, no sábado, durante a reunião informal de chefes de Estado e de Governo da UE, "apesar das diferentes visões que os 27 Estados-membros têm sobre qual deva ser o papel da União e dos Estados-membros em matéria de política social", António Costa diz esperar conseguir "uma declaração comum de apoio ou de endosso político do plano de ação" da Comissão Europeia.
"Será obviamente um marco. Depois, temos todo o trabalho pela frente de concretizar este plano de ação que foi apresentado em março passado", completou o primeiro-ministro.