
Só por si, a lei não extingue a corrupção, mas pode dificultá-la: há ângulos mortos para quem se mover na sombra. O Expresso identifica quatro
Só por si, a lei não extingue a corrupção, mas pode dificultá-la: há ângulos mortos para quem se mover na sombra. O Expresso identifica quatro
Jornalista
Quando um político se move na malha larga da legislação feita para prevenir a corrupção, não significa que seja corrupto ou que queira praticar crimes semelhantes. Mas é nessas nestas zonas cinzentas que se “aumentam os riscos e criam oportunidades para isso acontecer”, diz ao Expresso Susana Coroado, presidente da associação Transparência e Integridade. Eis quatro zonas da legislação que podem servir de camuflagem.
A ideia vai sendo repetida, mas o diabo está nos detalhes: durante três anos, ex-ministros ou ex-secretários de Estado não podem trabalhar para privados do setor tutelaram (ainda recentemente a ministra da Justiça se referiu a esta limitação numa entrevista). É verdade, mas só em parte. Esta limitação legal não impediu, por exemplo, que depois de ter sido ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite fosse administradora não executiva do Santander nem que Maria Luís Albuquerque viesse a ter as mesmas funções na financeira britânica Arrow Global. As duas ex-ministras sociais-democratas estavam a violar a lei? Não, de todo. E isto apesar da polémica sobre a ida de Maria Luís Albuquerque para a Arrow, porque a empresa tinha interesses num Banif em vias de ser nacionalizado.
Na realidade, mesmo sem violar o regime jurídico dos impedimentos, qualquer ex-governante poderá trabalhar de imediato e sem restrições para um privado da área que tutelou, desde que essa empresa não tenha sido privatizada por si ou que não lhe tenha concedido “incentivos financeiros” ou “benefícios fiscais de natureza contratual”. Mais recentemente, a lei teve um acrescento: um político também não poderá trabalhar em empresas “relativamente às quais se tenha verificado uma intervenção direta do titular”. Ou seja, isto quer dizer o seguinte: se não privatizou a empresa, se não lhe concedeu subsídios e se não interveio diretamente nesse privado, então poderá trabalhar sem problemas em empresas da área que tutelou (e, claro, poderá voltar sempre para o setor se for quadro de uma empresa dessa área).
Mais concretamente, um ex-responsável pela pasta da Energia, da Saúde ou do Ambiente, por exemplo, pode passar diretamente para uma empresa desse setor que não caiba nas limitações previstas, e até poderá criar uma nova empresa nessa área. Conclusão? Há limitações, mas abrangem um conjunto restrito de privados. Na Estratégia Nacional Anticorrupção, o Governo propõe “melhorar a robustez” destas limitações com uma sanção pecuniária dissuasora para quem violar estas normas.
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