À esquerda, os partidos – que aprovaram o diploma da eutanásia no Parlamento – foram os primeiros a reagir ao chumbo da lei sobre a morte medicamente assistida por parte do Tribunal Constitucional (TC). Se o PS, BE e PAN sublinham que o TC concluiu não estar em causa o princípio da inviolabilidade da vida humana, o PCP, o CDS e o Chega admitem que pode estar em causa uma questão insanável.
"O PS irá ler com muita atenção a pronúncia do TC na sua totalidade, mas saliento que ficou claro que não há qualquer incompatibilidade entre a despenalização da eutanásia e a proteção dada pela Constituição à vida humana. Portanto, para aqueles que diziam que iriam recorrer à fiscalização sucessiva, ficou claríssimo que não há essa incompatibilidade", declarou a deputada Isabel Moreira.
Isabel Moreira sustentou que, numa das normas invocadas no pedido de fiscalização preventiva do Chefe de Estado, relativa à "indeterminabilidade do sofrimento insuportável", o TC "deu razão" aos autores da lei. "O TC considerou que o conceito em causa é determinável. Como tal, a dúvida que o TC suscitou e que levou à pronúncia pela inconstitucionalidade diz respeito à lesão definitiva de gravidade extrema. Dessa norma - e das normas subsequentes -, trabalharemos numa nova redação da lei" na Assembleia da República, frisou a constitucionalista.
De acordo com a deputada socialista, apenas no conceito referente à lesão definitiva de gravidade extrema o TC concluiu que essas condições exigidas não estão reunidas. "É nesse aspeto que teremos de trabalhar no parlamento", observou.
O deputado do BE José Manuel Pureza alinhou pelo mesmo diapasão, considerando que o TC concluiu que é preciso "dar maior concretização e densificação" ao ponto específico da lesão definitiva.
"Atendendo ao que foi dito pelo presidente do TC, parece ser evidente que o tribunal se colocou a si próprio uma questão que o Presidente não tinha colocado, que era a de saber se havia ou não incompatibilidade de princípio entre a inviolabilidade da vida humana e qualquer forma de despenalização da morte assistida e o tribunal diz com toda a clareza que responde negativamente a essa pergunta", afirmou o deputado do Bloco em declarações à RTP3.
De acordo com José Manuel Pureza, os juizes do Palácio Ratton não consideram, por isso, que há uma situação insanável, mas só que existem "parâmetros de avaliação que precisam de ser redigidos com mais rigor e pormenor para que a indeterminação não possa ser um problema".
"Da nossa parte é com a mesma determinação de sempre neste processo legislativo que trabalharemos para que o diploma que venha a existir em Portugal seja rigoroso, prudente, mas também determinado na despenalização. E vamos continuar a trabalhar para que assim seja, para ir ao encontro das indicações que parecem ser do TC", acrescentou.
Do lado do PAN, André Silva defendeu, também, que o TC veio afastar a inconstitucionalidade da morte medicamente assistida, ainda que exija que a lei esteja "perfeitamente definida, balizada e regulamentada".
"O direito à vida consagrado na Constituição não implica a obrigação de viver a todo o custo. O TC veio referir também que a regulamentação de uma determinada norma cabe ao Parlamento e que, não estando regulamentada e estando pouco definida, ela enferma de inconstitucionalidade e por isso o Parlamento deve suprimir esa inconstitucionalidade relativamante ao conceito de lesão definitiva de gravidade extrema", disse o porta-voz do PAN.
À direita só a Iniciativa Liberal (IL) reafirmou a sua convicção de que será possível enquadrar constitucionalmente legislação relativa à antecipação da morte medicamente assistida. "O acórdão do TC de hoje confirma-o. Quanto às dúvidas suscitadas pelo senhor Presidente da República que obtiveram respaldo no referido acórdão, nomeadamente no que diz respeito à determinabilidade da expressão 'lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico', elas deverão agora ser ponderadas pela Assembleia da República com vista a ultrapassar as objeções ora colocadas", realça em comunicado o partido de João Cotrim de Figueiredo.
CDS e Chega aplaudem decisão. PCP com dúvidas sobre caminho a seguir
O PCP considerou que será "difícil" encontrar uma solução para despenalizar a morte medicamente assistida compatível com o 'chumbo' do Tribunal Constitucional (TC), e assegurou que os comunistas não tomarão qualquer iniciativa de expurgo das inconstitucionalidades.
"O PCP encara esta decisão do TC com a mesma naturalidade com que encarou o pedido de fiscalização feito pelo Presidente da República, o PCP nunca colocou no debate parlamentar a questão da constitucionalidade, sabíamos que era uma questão divisiva", afirmou o deputado do PCP António Filipe em declarações aos jornalistas no parlamento, pouco depois de ser anunciado que o TC chumbou a lei sobre a morte medicamente assistida.
O deputado comunista assegurou que o PCP, que votou contra o diploma, "não tenciona tomar nenhuma iniciativa" de alteração ao texto hoje considerado inconstitucional. "Consideramos que é difícil encontrar uma solução legislativa compatível com a decisão do Tribunal Constitucional", defendeu, deixando essa eventual iniciativa aos partidos que aprovaram a lei.
Questionado sobre se o PCP está disponível para participar na discussão futura do diploma, que deverá ser devolvido ao parlamento, António Filipe respondeu afirmativamente. "Na discussão certamente que sim, embora não nos pareça fácil que se encontre uma solução legislativa que corresponda às objeções que o TC suscitou e que incide sobre uma questão central aqui aprovada", disse.
Já o presidente do CDS-PP, Francisco Rodrigues dos Santos, considerou que, ao chumbar a lei da eutanásia, o Tribunal Constitucional mostrou "um enorme cartão vermelho" à maioria que aprovou a lei no Parlamento. "A maioria parlamentar que aprovou esta lei levou hoje um enorme cartão vermelho do Tribunal Constitucional pela forma leviana com que tratou uma questão tão sensível, que divide profundamente os portugueses e que acarreta uma grande responsabilidade social", afirmou o líder centrista.
O presidente do CDS recomendou aos partidos que votaram favoravelmente a lei que aceitem "este travão do TC", abandonem a "postura autoritária de querer decidir à pressa e nos corredores do poder uma matéria desta sensibilidade" e que procurem "mandato popular".
Rodrigues dos Santos propôs ainda que os partidos se apresentem "a votos tendo nos seus programas a definição de uma lei para a eutanásia", que abram "uma ampla e profunda discussão na sociedade portuguesa" sobre a matéria, libertando-a "dos corredores do poder". "Se cumprirem estes requisitos, eu creio que teremos um debate mais sério, mais participativo, mais esclarecedor e mais livre na sociedade portuguesa numa questão que é de tanta sensibilidade e que tem dividido os portugueses tão profundamente", defendeu.
Também o deputado do Chega, André Ventura, se congratulou com a decisão do TC, reafirmando que o atual contexto de pandemia não era o momento para legislar sobre a morte medicamente assistida.
"A lei tal como foi aprovada tinha demasiada amplitude e permitia que houvesse excessos e abusos na sua aplicação, o que poderia significar mortes, um cenário muito negro para a sociedade portuguesa", afirmou o líder do Chega num vídeo enviado às redações.
Segundo André Ventura, a decisão do TC deve ser entendida como um repto para que o Parlamento "perceba sua missão de lutar e salvar vidas" e "salvaguardar direitos dos cidadãos sem ceder a tentações de influência internacional".
Já o PSD não deverá reagir à decisão do TC relativamente ao tema, em que houve liberdade de voto, e a bancada social-democrata esteve muito dividida.
Em causa está o artigo 2.º, n.º 1, do diploma aprovado em 29 de janeiro na Assembleia da República, que estabelece que deixa de ser punida a "antecipação da morte medicamente assistida" verificadas as seguintes condições: "Por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".
Votaram a favor a maioria da bancada do PS, 14 deputados do PSD, incluindo o presidente do partido, Rui Rio, todos os do BE, do PAN, do PEV, o deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, e as deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.
Votaram contra 56 deputados do PSD, nove do PS, incluindo o secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, todos os do PCP, do CDS-PP e o deputado único do Chega, André Ventura.
Numa votação em que participaram 218 dos 230 deputados, com um total de 136 votos a favor e 78 contra, registaram-se duas abstenções na bancada do PS e duas na do PSD.
O diploma aprovado em votação final global resultou de projetos de lei de BE, PS, PAN, PEV e Iniciativa Liberal aprovados na generalidade em fevereiro de 2020.