Política

Bloqueio nos Fundos: Portugal contra renegociação do mecanismo de Estado de Direito para agradar à Hungria e Polónia

O ministros dos negócios estrangeiros defende que o mecanismo que liga a utilização dos fundos ao Estado de direito não deve ser renegociado para satisfazer a Hungria e Polónia. Santos Silva garante que a posição de Portugal sempre foi favorável a esta condicionalidade. E admite que se não for alcançado um entendimento com Varsóvia e Budapeste então é preciso encontrar "soluções alternativas".

Bloqueio nos Fundos: Portugal contra renegociação do mecanismo de Estado de Direito para agradar à Hungria e Polónia

Susana Frexes

Correspondente em Bruxelas

O ministro dos Negócios Estrangeiros rejeita deixar cair o novo mecanismo sobre o Estado de Direito ou fazer-lhe alterações, como pedem Hungria e Polónia como contrapartida para aprovarem os 1,8 biliões de euros do Orçamento plurianual da UE e o Fundo de Recuperação.

"Do nosso ponto de vista, nem pode ser reaberta a negociação que conduziu ao Conselho Europeu de julho, nem pode ser reaberta a negociação que conduziu ao acordo institucional entre o Conselho e Parlamento europeu", afirma Augusto Santos Silva ao Expresso e à SIC, sublinhando que "Portugal é a favor do mecanismo de condicionalidade" fechado em novembro entre a presidência alemã da UE e os eurodeputados, e que liga a utilização dos fundos ao respeito pelos princípios democráticos e os valores europeus.

Se dúvidas houvesse sobre a posição portuguesa na negociação, Santos Silva faz questão de ir mais longe e garante que Portugal nunca quis fazer desaparecer este mecanismo durante o processo de negociação que se arrasta há mais de dois anos. "É exatamente o contrário", responde. Admite que em novembro de 2018 foram feitas críticas à proposta inicial da Comissão, tal como noticiado pelo Público este domingo, mas rejeita que o objetivo tenha sido tentar travá-la.

"A sra. Secretária de Estado [dos Assuntos Europeus] apresentou várias críticas à proposta da Comissão Europeia com o objetivo de a proposta ser melhorada: ser mais segura do ponto de vista jurídico, ser mais sólida e ser menos vulnerável a ataques". Críticas que diz estarem agora ultrapassadas, uma vez que Portugal "se revê" no resultado final.

Também num documento de trabalho do Conselho, de 11 de abril de 2019 - consultado pelo Expresso - Portugal surge como um dos nove países que "reiteram o forte apoio à proposta da Comissão e defendem a criação de um instrumento legal sólido e efetivo". Os restantes são a França, Dinamarca, Suécia, Bélgica, os Países Baixos, o Luxemburgo e ainda a Eslovénia.

Para o chefe da diplomacia portuguesa, Hungria e Polónia não têm razões para achar que Portugal esteve a seu lado - como é dito ainda no artigo do Público, citando o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros polaco.

Alternativas sem Hungria e Polónia são possíveis

Apesar de estarem praticamente isolados, os primeiros-ministros da Hungria e Polónia não dão sinais de estarem dispostos a recuar. Santos Silva acredita na "qualidade da presidência alemã" para ultrapassar o impasse, mas reconhece que as últimas declarações de Viktor Orbán e Mateusz Morawieck não ajudam. "Vamos ver o que se consegue fazer. O Conselho Europeu da próxima semana é muito importante".

Se na cimeira de 10 e 11 de dezembro não se desbloquear o impasse, então há grandes probabilidades de o problema sobrar para Portugal, que assume a presidência do Conselho da UE a 1 de janeiro.

Quanto às queixas da Hungria e Polónia de que o mecanismo não tem segurança jurídica e que significa uma diminuição da soberania nacional, Santos Silva entende que não são justificadas, mas acredita que "estas preocupações" podem ser "correspondidas através de garantias adicionais" que deixem claro que não se trata de "um mecanismo para penalizar A,B ou C".

Como? O ministro não entra em detalhes, nem confirma uma possível declaração política de líderes para acalmar Budapeste e Varsóvia. Porém, França já admitiu que se não houver compromisso, então o último recurso pode ser avançar para um Fundo de Recuperação sem os dois países problemáticos.

"Se não conseguirmos quebrar este impasse, temos que encontrar soluções alternativas", admite também o ministro português, argumentando que "a recuperação económica da Europa não pode estar sujeita a chantagens".

"As alternativas técnicamente existem e politicamente, se for necessário, também". Contudo, avisa que "qualquer alternativa a este acordo de julho é pior", justificando que conduzirá a atrasos na chegada do dinheiro e dos instrumentos financeiros essenciais para a recuperação.

As palavras de Costa e a posição de Portugal

Na véspera do Conselho Europeu de julho, que veio a fechar os montantes do Orçamento Comunitário e do Fundo de Recuperação, António Costa chegou a visitar o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, em Budapeste, e a defender que o tema dos valores europeus e a discussão sobre o Orçamento da UE e o Fundo de Recuperação não deveriam ser misturados.

O primeiro-ministro antecipava que transferir para o debate orçamental a discussão sobre o Estado de Direito só teria "um efeito prático": dar a países como Hungria e Polónia "o ónus de bloquear a criação do Fundo de Recuperação, aliviando as boas consciências frugais".

O presságio de Costa concretizou-se. Mas o que disse na altura gerou polémica e a postura continua a receber críticas.

Apesar de Costa mostrar abertura para suavizar o mecanismo do Estado de Direito, ligando o corte nos fundos mais a fraudes e mau uso do dinheiro do que ao respeito pelos valores fundamentais, a posição de Portugal nas votações acabou por estar ao lado da maioria e a favor do mecanismo.

Mesmo quando Costa se desdobrava em explicações sobre "os valores que não se negoceiam", nem são para serem discutidos contra o acesso a fundos europeus, a secretária de Estado Ana Paula Zacarias, era uma das vozes a apoiar a existência dessa mesma condicionalidade ligada ao Estado de Direito durante a reunião preparatória para a Cimeira de líderes de julho.

Já no outono, Portugal esteve ao lado da presidência alemã na negociação de um mandato negocial com o Parlamento Europeu - algo já então rejeitado pela Hungria e Polónia - e depois aceitou o resultado final das negociações com o Parlamento.

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