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Conselheiros independentes: a falta de qualidade na política e uma velha tradição

Conselheiros independentes: a falta de qualidade na política e uma velha tradição
Nuno Botelho

A escolha de Costa Silva para elaborar o Programa de Recuperação Económica recebeu um coro de críticas da oposição. Mas já é uma tradição da política portuguesa ir buscar especialistas fora da vida partidária. “Independência” e “visão estratégica” são vantagens. O maior contra será a falta de “escrutínio” e de “legitimidade democrática”

Conselheiros independentes: a falta de qualidade na política e uma velha tradição

Liliana Coelho

Jornalista

O convite a António Costa Silva para ser conselheiro do primeiro-ministro com a missão de elaborar o Plano de Recuperação Económica não foi apreciada pela oposição, mas não se trata de uma solução inédita. Pelo contrário, reflete uma tendência da política portuguesa de aproveitar peritos fora da vida partidária: vantagens e desvantagens de chamar independentes para ajudar o Governo.

Pode ser por não ter pessoal com as qualidades necessárias no Governo, como diz André Azevedo Alves, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, que aponta à solução problemas de "legitimidade". Pode ser porque foi sempre assim: "Prefiro chamar um alto comissário para o cérebro do Estado, antes era o funcionário régio. Trata-se de uma solução várias vezes utilizada para encontrar respostas fora do sistema", afirma ao Expresso o politólogo José Adelino Maltez. Ou é por ser uma tradição antiga e até Cavaco Silva encomendou o célebre Relatório Porter, recorda António Costa Pinto, do Institudo de Ciências Sociais (ICS).

Admitindo que a atual conjuntura da pandemia resulta em "hiper-informação" num universo novo e que o planeamento normal do Governo não será suficiente, torna-se necessário um "sistema de coordenação" liderado por um outsider. Costa foi buscar, assim, um homem fora do sistema político para projetar o futuro do país dentro de circunstâncias absolutamente extraordinárias. "Sendo que não lhe falta visão estratégica, nem experiência internacional poderá ser muito útil", observa Adelino Maltez.

Apesar de o Governo ter esclarecido que Costa Silva não iria negociar com os partidos e os parceiros sociais, após o rol de críticas da oposição – que se recusava a sentar à mesa com "paraministros" – o politólogo António Costa Pinto diz acreditar que não seria de facto essa a intenção do Executivo. "Não creio que isso alguma vez estivesse previsto. Agora a reação dos partidos da oposição foi sistémica, faz parte do processo", comenta o politólogo.

Perfil “autónomo” e “centrista”

Para Costa Pinto, não há motivos de preocupação mesmo para os antigos parceiros da 'geringonça', uma vez que Costa Silva é uma personalidade "autónoma" e "centrista", sem ambições políticas. O objetivo do Governo será obter uma análise "independente" e um conjunto de propostas "nem à esquerda, nem à direita".

O recurso a "tecnocratas independentes" para pensar modelos de desenvolvimento económico tem sido uma prática recorrente na política nacional e internacional, sendo que a escolha do gestor da Partex - petrolífera que pertencia à Gulbenkian - para conselheiro especial do primeiro-ministro nesta fase pode trazer "algumas vantagens", segundo Costa Pinto.

A começar pelo facto de ser "independente" e, do ponto de vista burocrático e administrativo, não estar tão sujeito a pressões de grupos de interesse e lóbis em plena crise. Por outro lado, sublinha o politólogo, com esta escolha o Governo transmite também uma mensagem política de "autonomia" ao ir buscar alguém fora do sistema político para delinear o plano de recuperação económica – um aspeto relevante sobretudo perante a "desconfiança" da sociedade portuguesa face à classe política.

"Trata-se de um perfil tecnocrata e liberal com vantagens. Lá fora tínhamos Michael Porter - que há 25 anos fez um célebre relatório sobre a economia portuguesa para o Governo de Cavaco Silva -, por cá tivemos António Borges no Governo de Pedro Passos Coelho. Quer o PS, como o PSD optaram sempre por ter uma bolsa de independentes", destaca Costa Pinto, apontando ainda para perfis semelhantes no partido socialista como Paulo Trigo Pereira, Lacerda Machado ou mesmo Mário Centeno.

Falta de “legitimidade democrática”

Se na fase inicial haverá um efeito de "credibilização" face à independência de Costa Silva, tudo poderá mudar até se conhecer o resultado do seu trabalho pro-bono, defende, por sua vez, André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. "O facto de não ter ligações com partidos deixá-lo-á mais escudado das acusações de partidarizações. Mas tudo dependerá dos resultados das políticas", afirma o docente universitário.

Por outro lado, a escolha deste tipo de conselheiros informais não eleitos pode levantar também problemas do ponto de vista da "legitimidade democrática" ao mesmo tempo que revela "falta de confiança" no Governo. "Primeiro, não faz sentido num regime democrático com instituições alguém passar à margem dos circuitos formais por razões de escrutínio. Depois, esta opção demonstra também que o primeiro-ministro não encontrou qualificações em ninguém do Governo para o cargo", sustenta Azevedo Alves.

Para o professor da Universidade Católica, a escolha de Costa e Silva revela como aspeto positivo o "pragmatismo" do primeiro-ministro em querer resolver "eficaz e rapidamente" a situação, mas por outro, demonstra um "voto de não confiança" no seu Executivo. "Há também o lado simbólico da própria dimensão do Governo que torna ainda mais notória essa questão", realça Azevedo Alves, lembrando que o atual Executivo é o segundo maior desde 1976.

Foi para contrariar estas críticas que o primeiro-ministro garantiu ontem, em comunicado, que será Pedro Siza Vieira, ministro do Estado e da Economia, que irá assumir a "direção da elaboração" do Programa de Recuperação Económica, após estarem concluídas as suas bases.

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