Há dois anos, quando se iniciou a discussão da legalização da eutanásia, Miguel Ricou, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e psicólogo de formação, ajudou a criar a plataforma "Wish to die". A ideia foi juntar um conjunto de profissionais e académicos europeus para "estudar melhor a eutanásia e o suicídio assistido", uma vez que se tratava de "um assunto controverso" sobre o qual "há poucos estudos" sobre a sua legalização ou mesmo sobre a sua aplicação.
Na altura do primeira grande debate nacional sobre o assunto, a plataforma de investigadores pediu para ser ouvida por deputados ou pela comissão parlamentar de Saúde. Nunca foram. Nem quando a discussão estava ao rubro, nem depois. "Nunca fomos chamados, nem recebidos", diz Miguel Ricou ao Expresso. Com a eutanásia de novo na agenda, acreditam que vão ter uma oportunidade. E já requereram audiências aos principais atores políticos.
Para Miguel Ricou é "paradoxal" que, apesar do crescente debate público sobre a matéria em vários países do mundo, "o investimento no estudo da morte assistida não se tem revelado significativo". Ao longo dos últimos dois anos, a plataforma promoveu alguns trabalhos - entre os quais o inquérito a médicos portugueses sobre a eutanásia - mas continua a considerar que há um défice de conhecimento sobre o tema.
"A discussão tem-se mantido, essencialmente, num campo ideológico", diz o professor portuense. Além disso, os interlocutores privilegiados têm sido "médicos e juristas", quando o que está em causa não é apenas "o respeito pela autonomia da pessoa, mas sim compreender se uma pessoa que pede para morrer está a expressar a sua vontade real e se esta representa, em função disso, o seu melhor interesse".
Ora, diz Miguel Ricou, o "acompanhamento dos processos de tomada de decisão é uma tarefa própria dos psicólogos" que acabam por "incompreensivelmente, estar afastados, na discussão sobre a legalização da eutanásia". Na verdade, nenhum dos projetos que, esta quinta-feira, serão discutidos no Parlamento prevê a inclusão de psicólogos nas equipas que acompanham os processos de requerimento da morte assistida. "Isso não faz qualquer sentido", afirma Miguel Ricou.
Em carta enviada ao Presidente da República, assim como a todos os partidos com assento parlamentar, a Plataforma Wish to Die pede para ser recebida de forma a poder "tentar incluir as nossas preocupações nas decisões que se pretendem promover". "No momento imediato, o grande objetivo da plataforma é influenciar a discussão no sentido de se ganhar tempo para encontrar melhores soluções. Pretende-se evitar uma lei que, em função do desconhecimento existente, possa promover situações de eutanásia involuntária", diz a carta enviada às entidades oficiais.
"Respeitar a autonomia das pessoas faz sentido, porque nos ajuda a encontrar as melhores soluções que representem, de facto, o seu melhor interesse", diz o responsável do grupo de académicos. No entanto, "num mundo onde percebemos que as pessoas decidem influenciados por fatores tão pouco conscientes como a influência das redes sociais, a forma como as questões são colocadas, os estados emocionais vivenciados, será no mínimo falta de cuidado tomarmos como definitiva e inalterável a decisão de alguém no sentido da sua morte", conclui.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: RLima@expresso.impresa.pt