Primeiro foi o Livre que se fez ouvir em defesa da sua deputada única: “as divergências políticas não podem dar lugar nunca a manifestações discriminatórias”. Pouco depois, o Bloco de Esquerda apelou a que todos os partidos e deputados se manifestem contra “este ato que exige de todos uma frontal condenação”. O ato em causa é pedido de “devolução” de Joacine Katar-Moreira “ao seu país”, feito numa publicação no Facebook por André Ventura. As declarações caíram mal - e durante a tarde desta terça-feira o nome da deputada do Livre foi um dos temas mais comentados no Twitter - mas podem trazer alguma consequência para o líder do Chega?
“É melhor que se digam coisas com que discordamos do que ter limites ao que se pode dizer”, diz ao Expresso Fernando Negrão, vice-presidente da Assembleia da República (AR) e também deputado social-democrata, que recusa dar a sua opinião sobre as declarações de Ventura. O mesmo fez José Manuel Pureza, que considera tratar-se “de uma declaração claramente de natureza política para espicaçar o debate político”. “É uma afirmação política que exige uma resposta, uma contra-argumentação e debate público”, acrescenta o também vice-presidente da AR.
No código de conduta dos deputados à Assembleia da República, que “estabelece os princípios e critérios orientadores que devem presidir ao exercício do mandato”, nada há nada que limite o que os deputados podem ou não dizer. “A liberdade de expressão não está prevista no código. E ainda bem que não está, aliás não está propositadamente definida”, sublinha Negrão.
José Manuel Pureza acredita que “dificilmente” o caso trará qualquer tipo de consequência. No entanto, também recusando comentar especificamente as declarações de Ventura, defende que “deve sempre prevalecer a liberdade de expressão”. “Claro que há limites se estivermos a falar de uma declaração que tem implícita fundamentos racistas ou discriminatórios.”
O apelo de condenação de Pedro Filipe Soares, deputado do Bloco de Esquerda, no Twitter não é um anúncio de que o partido vai apresentar um voto de condenação, é uma mensagem política que pede a que os membros do Parlamento exprimem o desagrado pela publicação em causa, explica ainda Pureza.
Ainda assim, e se eventualmente for apresentado um voto de condenação e os deputados o validarem, a Assembleia da República apenas exprime o seu repúdio pelo caso. Novamente, uma mensagem política de desagrado e não qualquer tipo de sanção.
Esta terça-feira, André Ventura usou as redes sociais para pedir a deportação de Joacine Katar Moreira. Numa publicação na sua página pública de Facebook, pediu que a deputada fosse “devolvida ao seu país de origem”, considerando que isso traria “tranquilidade” para Portugal e para o próprio Livre.
O comentário de André Ventura surge com a partilha de um texto do “Jornal de Notícias” sobre a proposta de alteração do Orçamento do Estado apresentada pelo Livre que pede que o património das ex-colónias expostos em museus seja devolvido às comunidades de origem. Ou seja, o património das ex-colónias portuguesas que esteja atualmente na posse de museus e arquivos nacionais deve ser identificado, reclamado e restituído às comunidades de origem.
A única deputada eleita pelo Livre nasceu há 37 anos na Guiné-Bissau, de onde saiu aos oito. Desde então vive em Portugal e tem nacionalidade portuguesa. Contactada pelo Expresso, recusou comentar o assunto.
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