As regras eram simples: a convite da JSD, os três candidatos à liderança do PSD foram até ao Fundão apresentar, à vez, as suas ideias para o partido e para o país. Uma sessão aberta ao público e uma outra parte reservada a perguntas e repostas que, em teoria, ia decorrer à porta fechada, mas acabou por ser aberta à comunicação social no caso de Miguel Pinto Luz e Luís Montenegro.
Numa tarde com alguns ataques e contra-ataques políticos, a iniciativa da JSD acabou por ficar marcada pelas intervenções de alguns jotinhas que acusaram Luís Montenegro de falta de lealdade pela oposição permanente a Rui Rio e pela tentativa de o derrubar em janeiro. Mas já lá vamos.
Rio apareceu com os seus mais próximos - a assessora Florbela Guedes, o secretário-geral, José Silvano, e António Maló de Abreu, um dos seus homens mais próximos. Pinto Luz não dispensou José Matos Rosa e Montenegro fez-se acompanhar de Pedro Alves, diretor de campanha do ex-líder parlamentar. Com as tropas no terreno, o que ficou deste debate?
Relação com o PS
Rui Rio foi o primeiro a intervir e recuperou os argumentos de sempre: o PSD não pode viver acantonado, numa posição radicalizada e “troglodita” em relação ao Governos socialista. O PSD, argumentou o líder do partido, tem de ser capaz de criticar, mas tem de ter “a grandeza de saber concordar” e de estar disponível para desenhar, com o PS, as reformas estruturais de que o país precisa.
Miguel Pinto Luz, o segundo a ir a jogo, defendeu uma posição mais intermédia: muito mais duro nas críticas aos socialistas do que Rui Rio, o vice-presidente da Câmara de Cascais defendeu que o PSD tem de ser em qualquer circunstância uma “oposição de confiança”, cujo maior interesse tem de ser o nacional e não o partidário. “O nosso primeiro interesse não é a nossa agenda, mas a agenda do interesse nacional”, resumiu o antigo líder do PSD/Lisboa. Pelo meio, Pinto Luz lá foi dizendo: é preciso afirmar o PSD “sem prestar vassalagem a outras forças partidárias” - ao PS, leia-se.
Luís Montenegro, o último dos três a discursar, pôs-se marcadamente fora deste diálogo, insistindo que o PSD não pode responder com “permanente disponibilidade” a um PS que está “acorrentado” à esquerda. Não deixaria, todavia, Rio sem resposta: não se trata de fazer uma “oposição troglodita”, mas sim uma “oposição firme e série”.
Orçamento 2020
Na sua intervenção inicial, Rio não falou concretamente sobre a questão do Orçamento do Estado. No entanto, no final da sessão, em declarações aos jornalistas, o presidente do partido reconfirmou a notícia do Expresso e garantiu que o PSD insistirá na redução do IVA da eletricidade e do gás para 6% - que para ser aprovada pressupõe um entendimento com BE e PCP.
Pinto Luz foi mais recuado, mas deixou a porta entreaberta. “Não posso dizer que voto cegamente contra um Orçamento do PS. Esse não é o meu PSD”. Crítica implícita a Luís Montenegro que nao ficaria sem resposta.
O ex-líder parlamentar defendeu claramente o chumbo ao OE2020 e pressionou Rio e Pinto Luz a dizer ao que vêm, denunciando aquilo que diz ser uma posição pouco transparente, politicamente correta e até demagógica dos adversários nesta discussão. “Vamos ser sérios: alguém acredita que o PSD vai votar a favor do Orçamento? Estão à espera de quê [para dizer que chumbam]? Mas vivem em que mundo?”, questionou.
Disputa interna
Rio atacou Montenegro, que atacou o líder do PSD. Pinto Luz acertou em Rio, mas foi bater também em Montenegro, que não deixou Pinto Luz sem resposta. Seria assim um resumo possível da tarde no Fundão.
O líder do PSD, como se pode ler acima, dirigiu-se a Montenegro, sem nunca o nomear, como o rosto principal de uma oposição “troglodita” que já foi testada e teve muito maus resultados nos vizinhos do CDS. Não é a primeira vez que Rio e os seus generais usam este argumento e será esta uma das principais linhas de argumentação da atual presidência social-democrata: o exemplo de Assunção Cristas, que, acusa Rio, Montenegro quer mimetizar, deveria ser uma vacina para todos os militantes do partido.
Montenegro não se ficou e acusou Rio de ter uma “estratégia suicida” e de viver de costas para o partido, lidando muito mal com a divergência de opiniões. Não faltaram referências às vezes em que o líder do PSD convidou os críticos a deixar o partido.
Pinto Luz tentou a síntese possível: criticou uma direção que não tem “ambição” de devolver o PSD à primeira liga do combate político e de não gostar de uma “parte” do partido. Mas também atacou Montenegro: o tal que chumba cegamente o Orçamento e que perde demasiado tempo a discutir se o partido é de centro ou de direita - barrete que serve igualmente a Rui Rio.
Curiosamente, apenas Pinto Luz e Montenegro fizeram apelos (com algum veneno à mistura) à unidade do PSD - Rio não fez qualquer referência a esse respeito. O ‘vice’ de Cascais prometeu que vai ganhar e juntar Rio e Montenegro à sua causa. O ex-líder parlamentar comprometeu-se a rodear-se dos melhores apoiantes de Rio e de Pinto Luz e até disse já saber quem eles são, sugerindo que há apoiantes dos seus adversários que não estão genuinamente com os respetivos candidatos.
Dos três, Luís Montenegro acabou por ser o único a sair amolgado desta tarde. Todos os jotinhas que decidiram intervir na parte reservada a perguntas e respostas, questionaram a ética (ou falta dela) do ex-líder parlamentar. Em resposta a acusações de falta de lealdade ao partido, e mesmo admitindo que houve “alguns exageros” por parte da oposição interna a Rui Rio, Montenegro garantiu não ter tido qualquer intervenção direta nessa resistência e justificou o desafio que fez ao líder em janeiro como um imperativo de consciência. “Não aceito qualquer acusação de falta de ética.Não me escondi atrás de nada, não fiz qualquer golpe. Disse o que pensava e não fui hipócrita. Não podia esperar o descalabro e ficar no sofá a assistir”, defendeu-se o ex-líder parlamentar. Resta saber se o movimento anti-Montenegro foi genuíno ou organizado pelos fiéis a Rio.
Objetivos eleitorais
Rio focou-se exclusivamente nas autárquicas, mas modelou as expectativas: o objetivo é ganhar e conquistar câmaras, sobretudo os concelhos mais populosos. Mas até para se demarcar dos “delírios” dos adversários internos (palavras do ‘vice’ David Justino), o presidente social-democrata defendeu que o PSD não deve desprezar a importância de conquistar mais mandatos e crescer em percentagem de votos. “As eleições autárquicas são as mais relevantes. São elas que determinam a implantação real do partido no terreno”, definiu Rio.
Pinto Luz desfez-se em elogios à nobre missão de ser autarca - não será de estranhar o facto de ele próprio ser vice-presidente da Câmara de Cascais - e definiu como desígnio absoluto pôr o PSD a ganhar eleições. Eleições “autárquicas e legislativas”, acrescentou.
Montenegro foi o mais audaz e subiu a parada, tal como já tinha feito antes. Parece ser essa a marca de água da candidatura do antigo deputado. O ex-líder parlamentar referiu pelo menos duas vez que quer um PSD com “vocação maioritária” na Assembleia da República e a vencer as próximas eleições autárquicas - a começar pela reconquista da Câmara Municipal de Lisboa.
Programa
No essencial, os três estiveram de acordo - o que também diz muito da campanha interna para a liderança do PSD.
Rui Rio, Miguel Pinto Luz e Luís Montenegro defenderam repetidamente que, se internamente, o partido se deve reencontrar com a sociedade civil e atrair os melhores quadros, para o país, urge encontrar uma alternativa que alie a redução da carga fiscal, o reforço da competitividade da economia e a melhoria dos serviços públicos, libertando o Estado dos complexos ideológicos que ostracizam o setor privado e que perpetuam serviços públicos de má qualidade e adotar políticas públicas que tornem a economia.
Ainda não foi desta que se viram diferenças programáticas substantivas entre os três candidatos à liderança do PSD. A oportunidade chegará?