26 outubro 2019 11:53

joao girao
“Quanto maior for a tormenta, maior será a nossa determinação em ultrapassá-la”, garantiu o primeiro-ministro no discurso no Palácio da Ajuda. Costa põe o ónus da estabilidade na esquerda, fecha a porta ao PSD, quer manter a relação com Marcelo e faz anúncios: aumentar o salário mínimo até os 750 euros e fechar as centrais termoelétricas.
26 outubro 2019 11:53
Os motores da economia mundial estão a arrefecer, Marcelo Rebelo de Sousa já tinha avisado para uma crise que pode chegar mais cedo, mas António Costa fez questão de garantir no discurso de tomada de posse, na manhã deste sábado, que está aos comandos e preparado para as vicissitudes de uma conjuntura menos favorável. “O compromisso que selámos com os Portugueses não está dependente de ciclos económicos. Este é um Governo para os bons e para os maus momentos”, disse o chefe do Governo no Palácio da Ajuda. E carregou nas cores para mostrar que este é um Executivo que não teme as circunstâncias mesmo que venha aí um Diabo: “Não viraremos as costas às dificuldades. E quanto maior for a tormenta, maior será a nossa determinação em ultrapassá-la.”
Se dúvidas houvesse quanto à determinação de Costa para enfrentar adversidades, o primeiro-ministro fez questão de frisar que sejam quais forem as dificuldades este é um Governo para "quatro anos" e de dizer que os portugueses pediram "estabilidade" no dia 6 de outubro. Apesar de ter um Governo minoritário sem 'geringonça' de papel passado, Costa lançou uma mensagem para amarrar os partidos de esquerda à segurança da legislatura, passando sobretudo para o Bloco e para o PCP o ónus de qualquer crise: "A ausência de uma maioria absoluta, impõe aos partidos que têm sido - e queremos que continuem a ser - nossos parceiros, o dever acrescido de contribuírem de modo construtivo para o sucesso deste diálogo ao longo de toda a legislatura". Nos últimos quatro anos foi possível, constatou, logo, "por maioria de razão, agora também deve ser".
Para acabar com as dúvidas sobre uma viragem à direita ou possíveis entendimentos preferenciais com o PSD de Rui Rio (o que amarra ainda mais a esquerda), António Costa fez questão de fechar essa porta: "O muro que foi derrubado em 2015 não será reconstruído, nem o anacrónico 'arco da governação' será recuperado", assegurou. A "oposição de direita" - onde englobou Rio que não se diz de direita - "que se constitua como alternativa". Não excluiu, porém, a possibilidade de entendimentos quando estiver em causa o "interesse nacional".
Assim, se a esquerda estiver presente, não serão outros fatores a gerar instabilidade. Os resultados das eleições dos próximos anos não farão dele um novo António Guterres: "Durante estes quatro anos terão lugar várias eleições: regionais, presidenciais, autárquicas. Cada eleição vale por si e nenhuma se substitui às demais ou altera o mandato da Assembleia da República ora eleita. O Governo respeitará o dever de isenção eleitoral e não condiciona a sua ação aos calendários eleitorais". Uma eventual quebras nas autárquicas não levará Costa ao tapete. Fica o recado: o Governo está blindado..
Outro recado foi para o homem que estava ali ao lado a ouvi-lo. O primeiro-ministro sabe que os presidentes não costumam fazer segundos mandatos tão simpáticos como o primeiro, e numa legislatura com presidenciais a meio, Costa quis garantir que manterá o estilo da relação, com “a máxima lealdade e cooperação institucional". Seja com Marcelo, ou com o "Presidente que vier a ser eleito ou reeleito em 2021". Se funciona para um lado, Costa espera reciprocidade do outro.
Prioridade ao salário mínimo e à dívida
A par das promessas de estabilidade e para aguentar as adversidades, o primeiro-ministro também anunicou que o Governo vai ouvir os parceiros sociais para o salário mínimo subir para os 750 euros até 2023. Um valor 50 euros mais alto do que o PSD também propôs, e 100 euros abaixo da exigência do PCP. O Bloco quer 650 euros já em 2020.
No discurso de tomada de posse do seu segundo Governo, António Costa voltou a sublinhar o objetivo que tem traçado de que "não basta crescer mais": é preciso "ter, pelo menos, uma década de convergência económica e social com a União Europeia". Marcelo também já tinha dito que era "pouco", que era preciso mais crescimento e ambição". O primeiro-ministro parace pelo menos não discordar.
É com base nesse sentido de ambição que aumenta alguns patamares dos objetivos da legislatura anterior. As contas públicas não são apenas para se manterem equilibradas: com o saldo orçamental perto do positivo, a prioridade agora é mesmo a dívida, “Não basta controlar o défice, temos de reduzir a dívida pública nos próximos 4 anos para menos de 100% do PIB.”
Se por um lado Costa assegura que o caminho percorrido por Mário Centeno nas contas públicas é para continuar (mesmo que o ministro não continue, mas disso, claro, o PM não falou), também reconhece que a governação será "mais exigente", e estabelece metas sociais: um objetivos é salários mais "justos" e não basta reduzir as desigualdades, é preciso “erradicar a pobreza.”
Para explicitar mais prioridades, António Costa recupera o que os eleitores lhe disseram na rua: "Eu ouvi e não esqueço o que me disseram os cidadãos nesta campanha eleitoral: 'Olhe pelo Serviço Nacional de Saúde', 'precisamos de maior eficácia no combate à corrupção', 'não se esqueça do interior', 'lembre-se dos idosos', 'não podemos estar dois anos à espera que nos atribuam a pensão'.
Do lado económico, Costa não só se compromete com um Pacto para o Crescimento, como coloca como essencial a participação dos patrões nesse processo. Sobretudo no que diz respeito ao aumento de salários, retenção de talentos e qualificação da mão de obra, uma intenção que, aliás, o Expresso já tinha antecipado a semana passada. "Convido os parceiros sociais" - exortou o primeiro-ministro - "para negociarmos em sede de concertação social, e sem prejuízo de um acordo global sobre política de rendimentos para a legislatura, um acordo que sirva de referência para a contratação coletiva e que preveja uma clara valorização salarial dos jovens qualificados, a exemplo, aliás, do que o Estado irá fazer com a sua carreira de técnicos superiores".
Medidas: centrais termoelétricas fecham mais cedo
O primeiro-ministro aproveitou para antecipar medidas, apesar de o Governo só defender o programa na Assembleia da República na próxima quarta-feira. Antes mesmo de falar do salário mínimo, acede às exigências de partidos como o PAN, em relação às centrais a carvão, o que deve garantir senão o apoio, maior boa vontade: "Estou em condições de anunciar que iremos mesmo antecipar o encerramento da Central Termoelétrica do Pego para o final de 2021, e que a produção da Central de Sines cessará totalmente em setembro de 2023, garantidas condições de perfeita segurança de abastecimento, após a conclusão das barragens do Alto Tâmega e de uma nova linha de alta tensão que abasteça o Algarve, já planeada e prevista para meados de 2022, e que permitirá iniciar o encerramento faseado de Sines".
Outro compromisso assumido na área social foi "elevar o Complemento Social para Idosos até ao limiar de pobreza, de modo a que, nestes quatro anos, todos os idosos, qualquer que seja o valor da sua pensão, possam libertar-se da condição de pobreza".
Para dar um sinal positivo à investigação científica, fez saber que atribuirá 200 milhões de euros aos centros de investigação e que, "no OE para 2020", vai garantir "a devolução integral aos centros de investigação do IVA que pagam na aquisição de equipamentos, materiais e serviços."
A legislatura está lançada. Há quatro anos havia muitas dúvidas e cumpriu-se. Como será desta vez?