É dos livros: a melhor forma de um político evitar comentar declarações embaraçosas é dizer que não as pode comentar porque não as ouviu. Foi o que Rui Rio fez esta quarta-feira, depois das declarações de Manuela Ferreira Leite criticando o "complexo" da direita com o défice e classificando como "loucura" a procura de superávites orçamentais.
"Não ouvi", foi a primeira reação de Rio, quando questionado pelos jornalistas sobre as palavras da antiga presidente do PSD, que tem sido um dos mais notórios apoios públicos da atual liderança do partido. Apesar desse apoio, as críticas lançadas por Ferreira Leite na antena da TSF acertam em cheio numa das ideias mais caras a Rui Rio: a importância da redução do défice e a defesa das virtudes de orçamentos com superávites.
Apesar de alegadamente não ter ouvido as declarações de Ferreira Leite - a quem Rio se referiu como "uma pessoa com quem tenho uma identidade de pontos de vista muito grande" -, o líder do PSD não aligeirou a defesa dos défices baixos e até do superavit, quando as condições económicas o permitem.
Quando o país tem "crescimento económico razoável, devemos aproveitar para ter algum superavit", defendeu; porém, "se o crescimento económico for anémico, como tem sido, obviamente que é muito mais difícil ter superavit, porque esse próprio superavit pode vir a travar um pouco o crescimento económico". Mais difícil, mas não errado, note-se.
Em nenhum momento Rio se aproximou das teses que Ferreira Leite agora veio expor. "Relativamente ao défice, o que está mais em causa é a forma, nem digo errada, de não gestão da despesa pública, de desperdício, e é por aí que temos de conseguir melhorar", frisou, mais uma vez pondo o enfoque nas virtualidades do défice baixo, mesmo no atual contexto.
Manuela, pelo contrário, defendeu que na atual situação "este défice é absolutamente suicida em relação ao país", insistindo que "a política devia ser deixar crescer o défice, não para os 3%, mas também não para estarmos à procura de superávites". "Isso é a verdadeira loucura."
Concorda Rui Rio que, nesta altura, o ideal seria flexibilizar o défice, até deixando-o crescer, perguntou-lhe o Expresso? Rio não disse que sim nem que não - pois sabe que se respondesse iria contrariar a sua apoiante. "O que me está a perguntar provavelmente a dra. Manuela terá dito uma coisa dessas e agora está a querer que eu diga o contrário. Resposta já dei a isso."
Contra as teses de que o défice e a despesa pública, eles próprios, são indutores de crescimento
Na verdade, Rio não tinha respondido à questão, mas indiretamente fê-lo depois. O líder do PSD discursou num almoço do American Club e repetiu o essencial do seu pensamento sobre os "estrangulamentos sociais, económicos e políticos" que impedem o país de ser mais próspero.
Ao fazer a análise da evolução económica de Portugal nas últimas décadas, notou os bons níveis de crescimento registados nos 14 anos antes da adesão ao euro, por oposição à estagnação e crescimentos anémicos do 14 anos a seguir à entrada na moeda única.
"Compare-se 70% de crescimento real [antes do euro] com 0%; compare-se 51% de dívida pública face ao PIB com 130%. É preciso pensar bem, porque isto derrota as teses de que o défice e a despesa pública, eles próprios, são indutores de crescimento. Isso era assim quando as economias eram fechadas. No momento em que as economias estão abertas, deixa de ser assim."
Ou seja, Rio acabou por contrariar a tese de Manuela Ferreira Leite de que o crescimento económico, neste momento, ganharia se o Estado fizesse mais investimento público, ainda que com mais algum défice.
Para Rio, o essencial "quando utilizamos instrumentos de política orçamental para crescer" é a "atenção à qualidade da despesa", e ela, diz o líder do PSD, tem sido essencialmente má.
Mais do que investimento do Estado, Rio defende que Portugal precisa é de investimento dos privados e o papel dos Governos, na sua opinião, não deve ser tanto a investir mas mais a dar condições que favoreçam o investimento dos privados - nomeadamente no plano fiscal.