Política

Carlos Alexandre: “Há 13 anos foi-me dito que devia meter-me com pessoas do meu tamanho, porque precisava do meu ordenado para sobreviver”

Carlos Alexandre: “Há 13 anos foi-me dito que devia meter-me com pessoas do meu tamanho, porque precisava do meu ordenado para sobreviver”
Marcos Borga

Em entrevista à RTP, Carlos Alexandre afirmou que terá sido uma “coincidência” o sorteio do juiz para a fase de instrução ter-se realizado precisamente nos dois dias em que decidiu pedir folga “por razões pessoais”

Carlos Alexandre: “Há 13 anos foi-me dito que devia meter-me com pessoas do meu tamanho, porque precisava do meu ordenado para sobreviver”

Helena Bento

Jornalista

Carlos Alexandre: “Há 13 anos foi-me dito que devia meter-me com pessoas do meu tamanho, porque precisava do meu ordenado para sobreviver”

Liliana Coelho

Jornalista

Carlos Alexandre admitiu, numa entrevista que foi para o ar esta noite na RTP1, que o sorteio que atribuiu a fase de instrução da Operação Marquês ao seu colega Ivo Rosa poderá ter sido influenciado pelo número de processos atualmente entregues a cada um dos juízes. “Há uma aleatoriedade que pode ser maior ou menor consoante o número de processos que existem entre mais do que um juiz”, afirmou Carlos Alexandre, acrescentando que se forem entregues processos consecutivos a um determinado juiz, “a aleatoriedade do sistema pode alterar-se significativamente em poucos dias”. “A probabilidade é a de se inverter a possibilidade”, sublinhou.

Entretanto, o Conselho Superior da Magistratura (CSM), órgão de gestão e disciplinar dos juízes, terá decidido abrir um inquérito às declarações de Carlos Alexandre para “cabal esclarecimento de todas as questões suscitadas pelo juiz de instrução criminal”, lê-se num comunicado divulgado pelo CSM, que deverá agora fazer uma espécie de auditoria ao sistema com o objetivo de apurar a sua fiabilidade, bem como um inquérito disciplinar para averiguar se Carlos Alexandre violou o dever de reserva que se impõe a um magistrado. Se as acusações do juiz tiverem fundamento, o Conselho agirá em conformidade.

O sorteio eletrónico do juiz para a fase de instrução ocorreu no dia 28 de setembro e foi Ivo Rosa o escolhido para ser o juiz de instrução da Operação Marquês, processo que tem como principal arguido o ex-primeiro-ministro José Sócrates. Carlos Alexandre afirmou que terá sido uma “coincidência” o sorteio ter-se realizado precisamente nos dois dias em que decidiu pedir folga “por razões pessoais”, após nunca ter faltado ao trabalho durante 33 anos.

Na entrevista à RTP, o juiz disse ainda que “nunca aceitaria” entrar no processo a meio, como aconteceu com Ivo Rosa, e que não teme ter de prestar depoimento face às alegações de Armando Vara, um dos arguidos do processo, de que a atribuição do caso a Carlos Alexandre foi “ilegal e manipulada”. “Eu não aceitaria um processo Marquês nessas condições”, assegurou, sublinhando que gosta de rigor no seu trabalho.

Na altura, o CMS garantiu que a atribuição é legal e seguiu todos os procedimentos previstos para estas situações, justificando que a atribuição manual feita pela “Senhora Escrivã de Direito em 9 de Setembro de 2014 não é distribuição de processos, que já haviam sido distribuídos”, mas “uma transição daqueles processos da antiga estrutura para a nova estrutura, como ocorreu nos demais tribunais”. E foi manual “por não poder ser eletrónica dados os problemas que funcionamento que determinaram o encerramento do CITIUS em Setembro de 2014”.

“Sou um funcionário do sistema e portanto acredito na justiça”

Seja como for, Carlos Alexandre não está preocupado e expressou-o desta forma: “Sou um funcionário do sistema e portanto acredito na justiça. Espero que os outros ajam comigo como eu ajo com eles.”

O juiz que conduziu processos como o BES e o caso Marquês admitiu ainda que viveu tempos de dificuldade durante a infância passada em Mação e que já sofreu pressões. “Há 13 anos, no âmbito de um trabalho que estava a desempenha, do local onde tinha sido colocado, para onde tinha concorrido, foi-me dito que eu devia meter-me com pessoas do meu tamanho, porque precisava do meu ordenado para sobreviver, para comer”, confessou.

Apesar de ser amigo do ex-dirigente do PS António Reis, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano – Maçonaria Portuguesa, Carlos Alexandre garantiu que não pertence a nenhuma organização como esta. Católico praticante, que tem o padre de Mação como confidente, o juiz lamentou os fogos ocorridos na sua terra em julho de 2017 e citou o primeiro-ministro:Gostaria também de saber quem são os ladrões que me tiraram estas características da minha terra”.

“Sinto-me mais como um náufrago”

Revelando que lhe ofereceram há uns anos o livro “Relato de um Náufrago”, de Gabriel García Marquez, o juiz disse sentir-se “mais como um náufrago, tal como relatado nesse livro. O náufrago chegou a terra”.

Carlos Alexandre disse ainda temer que o tribunal de competência territorial alargada seja extinto, tal como defendeu o presidente do Supremo Tribunal de Justiça. “Eu quero acreditar que a posição que o senhor Conselheiro do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça cessante, dr. Henriques Gaspar assumiu foi uma conceção”, afirmou.

Sublinhando que lhe faltam cerca de 2000 dias úteis para chegar à “almejada reforma”, Carlos Alexandre reconheceu que terá de seguir outra via caso seja extinto oTribunal Central de Instrução Criminal. “Terei de encontrar trabalho. Se for extinto, terei de encontrar o meu caminho”, concluiu.

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