1 maio 2018 9:00
foto josé carlos carvalho
Marcelo pede há dois anos que a descentralização avance. Mas não aceita regionalizações encapotadas
1 maio 2018 9:00
Marcelo Rebelo de Sousa será intransigente a bloquear eventuais tentativas de António Costa e Rui Rio para, numa segunda fase do acordo que fecharam sobre a descentralização do país, avançarem para estruturas que se traduzam numa regionalização encapotada. Sem fazer um referendo, que a Constituição em 2004 passou a considerar obrigatório nesta matéria, o Presidente da República, que além do mais é antirregionalista convicto, não aceitará meios caminhos que passem pela eleição direta de titulares de novos cargos administrativos.
Marcelo bloqueou, aliás, uma primeira tentativa nesse sentido, que o Governo chegou a sinalizar em 2006, quando colocou sobre a mesa a eleição direta dos presidentes das áreas metropolitanas. Nessa altura, o Presidente da República aproveitou uma conferência do “JN” no Porto sobre o papel da descentralização na reforma do Estado para avisar que era preciso evitar “atritos entre presidentes de Câmara, CCDR e áreas metropolitanas”. E prometeu ficar atento a tentar “desvendar o mistério de que descentralização aí vem”. Em privado, o PR informou o primeiro-ministro de que o diploma não passaria em Belém, e a ideia de eleger diretamente os presidentes das áreas metropolitanas caiu.
O que Marcelo Rebelo de Sousa não deixou cair foi a insistência num acordo de regime que permita avançar com a descentralização. E agora, com a chegada de Rui Rio à liderança do PSD e com a assinatura (ainda que à porta fechada) de um acordo de Rio com Costa sobre a “organização subnacional do Estado”, o Presidente volta a acionar os “alertas laranja”. Como o Expresso noticiou no último sábado, o Governo admite que a segunda fase do acordo com o PSD tem em vista a regionalização. Embora António Costa tenha dito sempre que regionalizar não é uma prioridade e que o tema não está na agenda política, para o antirregionalista Marcelo todos os cuidados são poucos. Atento ao PCP, que já anunciou ir apresentar uma proposta de referendo à regionalização até ao final da legislatura, o Presidente da República quer perceber melhor os planos dos dois maiores partidos.
Rio acha um erro referendar mapa
Belém já recolhe, aliás, informações sobre os modelos de que se fala nos bastidores do PS e do PSD. A convicção é que António Costa pensa num mapa colado à divisão das atuais CCDR, e que seria esse mapa a ser referendado. Rui Rio, porém, acha um erro voltar a levar a referendo uma pergunta sobre um mero mapa, como aconteceu em 98. As previsíveis disputas territoriais significariam voltar a correr o risco de um novo chumbo. Ou seja, mais do que um mapa, o enfoque de Rio seria num novo modelo administrativo.
A Constituição impõe, no Artigo 256º, que “a instituição em concreto das regiões administrativas, com aprovação da lei de instituição de cada uma delas, depende (...) do voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores” num referendo com uma pergunta de alcance nacional e outra relativa a cada área regional. A questão é se PS e PSD cozinharem uma reforma a que não chamem regionalização — e é a isso que Marcelo estará atento.
Depois de o Governo e o PSD terem concordado com a criação de um grupo de técnicos independentes que fará, com a ajuda de universidades, um estudo sobre a “organização subnacional do Estado”, socialistas e sociais-democratas mostraram-se em consonância total: “A regionalização não é um tabu”, disse o ministro Eduardo Cabrita. “Não é uma questão tabu”, acrescentou o vice-presidente do PSD, Castro Almeida.
Resta saber que modelo será proposto pelo grupo de sábios, e se esse caminho será adotado por PS e PSD, ou se cada partido avançará com propostas alternativas. A eleição direta dos órgãos regionais, a existência ou não de assembleias regionais, o quadro de competências e financiamento — tudo isso são variáveis que permitem configurações diferentes. As hipóteses são muitas, desde a regionalização pura e dura — mais ou menos como foi referendado há 20 anos — até à transferência de competências para entidades supramunicipais de contornos mais difusos — e, nesse caso, poderia haver a tentação de evitar um referendo.
Rui Rio falou várias vezes sobre um novo modelo de organização do Estado durante a campanha interna para o PSD, sem nunca apresentar uma proposta concreta. Quer primeiro conhecer estudos e ver a demonstração do que será mais eficiente e eficaz. “Não tenho um modelo fechado”, disse ao Expresso em dezembro. “Portugal tem de encontrar uma forma diferente de se governar, com uma maior proximidade aos problemas, e temos de pegar na maior fatia possível do Orçamento e entregá-la a entidades mais responsáveis e com regras muito apertadas, para que haja maior disciplina na despesa. Isto não é a regionalização como as pessoas a costumam entender, mas tem a ver com a criação de autarquias regionais de nível superior”, explicou então Rio, numa reportagem do Expresso. Por outro lado, Rio admitiu que, tal como em 1998, essa reforma “deve depender de um referendo”. Até para avançar com “o maior consenso possível”. “Isto não é para fazer por 50%+1, porque nenhuma maioria de 50%+1 faz uma reforma do regime.”