As eleições legislativas de 1991, que acabariam por dar a segunda maioria absoluta a Cavaco Silva, ficaram na história não só por esse feito, como por ter sido a última campanha do PCP com Álvaro Cunhal no posto de secretário-geral. No ano seguinte, suceder-lhe-ia Carlos Carvalhas que ocupou o posto até 2004, data em que passou a pasta ao atual líder, Jerónimo de Sousa.
A mesma campanha teve ainda outra curiosidade. Foram as únicas que um partido (o PSD) ganhou em todos os círculos à exceção do bastião comunista de Beja, ganho pelo PCP.
Muitos jornalistas passaram alguns dias, ou todos os dias da campanha, atrás do já mítico líder comunista, então com 78 anos. Recordo que um deles, que fazia apontamentos salvo erro para o ‘Independente’, o principal concorrente que o Expresso jamais teve, era Vasco Pulido Valente.
Durante essa campanha, Cunhal prometeu que num determinado dia almoçaria na mesa dos jornalistas. Mas, por um motivo da sua agenda (ter de almoçar na mesa de uma série de autarcas da zona), desmarcou a combinação. Alguns jornalistas presentes (não era o caso de Vasco Pulido Valente), ficaram zangados com a mudança de planos e fizeram uma espécie de “levantamento de rancho”,não ficando para almoçar com a comitiva. Confesso que furei a “greve”, argumentando que o meu dever, como jornalista, era reportar o que se passava e não ficar ofendido com a agenda de Cunhal.
Almocei, assim, praticamente sozinho numa mesa grande destinada à Imprensa. O histórico líder do PCP, vendo a situação, juntou-se a mim, perguntando o que acontecera aos meus colegas. Respondi-lhe que estavam de greve e que eu era o único dos fura-greves. Ele riu-se e disse qualquer coisa sobre greves justas e injustas. E eu aproveitei aquela intimidade para lhe perguntar o que levava numa bolsa que nunca largava. Ele recusou responder, acusando-me de excesso de curiosidade.
A “pochette” de Cunhal tornou-se numa espécie de piada privada entre os dois. Sempre que passava por ele perguntava-lhe se me diria o conteúdo. Durante boa parte da campanha interroguei-o sobre o que trazia na bolsa. Mas ele recusou, sempre, responder, embora de forma amável.
- Você quer publicar algo de “escandaloso” ou “reacionário” no Expresso – dizia entre sorrisos.
Mas eu sou verdadeiramente persistente e nunca o largava. Até que um dia em que voltei estar mais ou menos a sós com ele (vantagens, da época, em se trabalhar num semanário), voltei à carga com a pergunta preferida:
- O que leva aí, dr. Cunhal? Ele respondeu que me daria uma prova de confiança se eu jurasse não revelar a ninguém.
Jurei e cumpri até sete anos depois da sua morte (revelei esta história em 2012 num número da revista dedicado a 100 personalidades do séc. XX).
Então respondeu, pondo um ar severo: - Levo uma bomba!
Fiquei sem saber o que dizer, até que ele, já com um sorriso desconcertante, me mostrou...a bomba de asma ou de bronquite que transportava, eventualmente para o caso de ter uma crise.
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