Ser ou não ser

Miguel Patrício: “Se tivéssemos uma equipa só com ‘Ronaldos’, seria a pior do mundo”

Miguel Patrício acredita que os opostos são fundamentais para fazer crescer uma empresa e diz que uma equipa constituída só por “Ronaldos” seria a pior do mundo. O chairman da Kraft Heinz já preparou a sua sucessão e, agora que tem mais tempo, pretende estar mais em Portugal. Diz que o país tem de atrair mais progresso e com isso gerar mais postos de trabalho. Oiça a conversa no podcast Ser ou Não Ser

Miguel Patrício, atualmente charmain (presidente não executivo) da Kraft Heinz, uma das maiores empresas do setor alimentar a nível mundial, foi o convidado do podcast Ser ou Não Ser desta semana. Corria o ano 2019 quando o executivo foi escolhido pela Berskshire Hathaway, gerida por Warren Buffet, o oráculo de Omaha, nos Estados Unidos, e pela brasileira 3G Capital, para ser presidente executivo (CEO) da Kraft Heinz e operar uma transformação na empresa, que estava numa espécie de queda livre. “Foi uma enorme responsabilidade e um orgulho”, confessa, dizendo que foram cinco anos incríveis. Mesmo com dois de pandemia, pelo meio, que admite terem ajudado a “arrumar a casa” e a fazer crescer o negócio.

Talvez por ter vivido muitos anos no Brasil (saiu de Portugal com dez anos), tem uma atitude mais “descontraída” perante a vida e os negócios. Quando chegou à empresa adotou uma postura de “evangelista”. Calçou uns ténis e vestiu as calças de ganga. “Não para parecer mais jovem, mas para passar uma mensagem de proximidade e simplicidade”, explica. Tirou as paredes do escritório e sentou-se junto das pessoas, conduzindo toda a equipa a fazer o mesmo. “O engajamento da empresa estava baixíssimo. Só 8% dos empregados recomendaria a companhia a alguém. Quando saí estava nos 92%”, relembra, dizendo que durante 45 dias só ouviu os colaboradores. “Eles podem não saber qual é a solução, mas sabem qual é o problema”. E, após mapear os grandes obstáculos, Miguel Patrício descobriu que o “inimigo estava lá dentro”. “A concorrência era interna. Não externa. Redefinimos a cultura, os valores e fomos contratar talento”, recorda.


TIAGO MIRANDA


Sobreviveu com sucesso e já preparou a sua sucessão, Carlos Abrams-Rivera, o seu oposto em termos de liderança, foi o escolhido. “As pessoas tendem a contratar alguém como elas. Definem-se como padrão e pensam ‘sou tão bom que só quero colaboradores que sejam como eu’. Isto é um horror no mundo dos negócios”, considera. “Se tivéssemos uma equipa só com Ronaldos, seria a pior do mundo!”, nota. Para Miguel Patrício, ter pessoas diferentes é ótimo para a companhia. Não se mexe na cultura, mas é uma nova forma de fazer as coisas. Para o chairman da Kraft Heinz, “um bom líder é aquele que tem equipas incríveis e, para isso acontecer, tem de ser o mentor e tirar o melhor das pessoas. Sempre levei isso muito a sério!”.

E se o tema da saúde e da alimentação saudável é apenas uma das tendências dentro do setor alimentar, o da sustentabilidade não é. “A sustentabilidade não é um projeto. É uma forma de fazer e de pensar”, considera. Contudo, Miguel Patrício garante que a Europa é muito mais exigente neste ponto e, inclusive, a população portuguesa está muito mais atenta ao tema da reciclagem do que a americana. Segundo Miguel Patrício, nos EUA o lixo vai para uma vala comum e só reciclam o que tem valor económico. “As empresas querem comprar PET reciclado e não conseguem”, por exemplo.

Se o fundador da empresa, Henry Heinz, vendia os produtos em frascos transparentes para que o consumidor visse a qualidade e pureza do produto, hoje a transparência tem de vir no rótulo. “A indústria tem um grande desafio em melhorar os produtos”. Miguel Patrício, além de revelar a receita do ketchup, conta uma experiência que a empresa fez no Brasil, com a ajuda de inteligência artificial (IA), na qual conseguiu reduzir até 20% de sal e açúcar no ketchup utilizando lúpulo de cerveja.

O gestor fala ainda na aposta da Kraft Heinz no mercado europeu, da compra do tomate nacional, que tem muita qualidade, e dos motivos pelos quais Portugal não atrai mais empresas e investimento. Na sua opinião a legislação é antiquada, principalmente a parte laboral. “Mesmo com salários baixos, as empresas não vêm para Portugal”, refere, afirmando que é um tema a ser discutido porque é preciso trazer progresso para Portugal e com isso postos de trabalho. A gigante americana receberá 170 milhões de dólares do Departamento de Energia dos Estados Unidos para reduzir as emissões de carbono e Miguel Patrício conta que a empresa demorou ano e meio a conseguir esse valor e admite que o Estado tem um papel fundamental para começar essa transformação. “Que pode ser via legislação, não é só através de capital”, defende.


Ser Ou Não Ser
Mário Henriques



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