“As duas gravações não acrescentam nada técnica ou artisticamente à glória de Zeca Afonso”, como diz Adelino Gomes, responsável pela investigação que acompanha a edição destes dois concertos inéditos realizados em 1968 e 1980. Dão, no entanto, a dimensão humana do homem, da importância política que teve para tanta gente, nomeadamente os que o ouviram. Um homem que estava sempre “na cabeça e no coração”.
As gravações, preciosas, até como documento histórico, estão separadas por vários anos e têm particularidades muito distintas.
A primeira é feita depois do regresso de José Afonso a Portugal. Acontece em Coimbra, onde o cantor tinha dado um concerto em 1964, antes de partir para África, e apenas um dia depois do Maio de 1968, em Paris. A segunda, em Carreço, tem um lado mais amargo. Acontece curiosamente sete anos antes de Zeca Afonso morrer, e pouco antes de se conhecer doente. Para Zélia Afonso, viúva do cantora, ouvida por Adelino Gomes, responsável pela investigação que contextualiza a edição destes dois concertos inéditos, teria uma importância fundamental para o próprio cantor, na medida em que resulta do sonho de um só homem, que um dia resolve fazer uma coleta para poder levar Zeca Afonso à sua terra. O exemplo daquilo que devia ser iniciativa de uma pessoa: “Ficou impressionado”, conta Zélia a Adelino Gomes, ‘com o empenho e a honestidade cívica’ com que uma pessoa, sem qualquer máquina por detrás, mobilizou vontades e concretizou um projecto. ‘O poder popular para ele era isso. Serem as pessoas a organizarem-se em torno de causas, de lutas. Sem estarem presas a um comité qualquer que lhes dá instruções’”.
Zeca Afonso, que não queria ser cantor mas professor, mostra-se sempre interessado na plateia que tem pela frente e naquilo que quer partilhar, embora por motivos técnicos essa vontade e movimento seja mais clara na segunda gravação, menos amputada. A primeira, ditada pela economia da fita de quem a gravou, não testemunha os quinze minutos de palmas de que fala um dos jornalistas que lá esteve, José Carlos Vasconcelos.
A investigação de Adelino Gomes, feita a convite da família de Zeca Afonso, acabaria por se revelar bem mais difícil do que o jornalista poderia antever. A extensão da censura, enquanto máquina de amputação de memórias também não poupou estes dois momentos, e a vivência dos que lá estiveram. Na primeira gravação, de 1968, que precede a crise académica, aparece ‘Grândola, Vila Morena’, canção que seria incluída no álbum “Cantigas de Maio”, e mais tarde se haveria de afirmar como uma das senhas do 25 de Abril.
Adelino Gomes nasceu em 1944 e conheceu Zeca Afonso enquanto repórter do programa PBX, mal o cantor desembarcou em Lisboa, com a família, regressado de Moçambique. O jornalista estudou Filosofia e Direito. Trabalhou no Rádio Clube português e na Rádio Renascença. Foi director de informação na Radiodifusão Portuguesa. Repórter na RTP, cobriu o período revolucionário. É um dos fundadores do Público, jornal onde foi director adjunto e redator principal. É responsável por uma geração de repórteres, uma vez que foi coordenador do Curso de Formação da TSF, antes da estação nascer. Foi Provedor do Ouvinte na RDP e tem-se dedicado ao ensino. É doutorado em Sociologia.
O livro/cd/disco é uma edição limitada Tradisom.
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