O Futuro do Futuro

Karina Xavier, cientista: Com uma amostra de fezes “temos informação completa da saúde de uma pessoa”

Um dia as análises de fezes vão tornar-se banais. Quem o diz é a cientista Karina Xavier: “As bactérias presentes nos intestinos revelam a suscetibilidade de várias doenças”. Em entrevista ao podcast O futuro do futuro, a investigadora fala da importância do intestino, mas também da alimentação da era industrial, que está a levar à extinção de várias espécies de micróbios. O problema pode parecer demasiado pequeno para ser visto sem um microscópio mas põe em risco a saúde dos humanos, alerta Karina Xavier. Oiça aqui a entrevista

Há uma extinção em massa silenciosa e invisível, que poderá nos próximos tempos ter um custo demasiado elevado para a humanidade. Depois de milénios de cooperação com os humanos, várias espécies de bactérias que habitam os intestinos humanos começaram a ser dizimadas pela dieta alimentar introduzida aquando da industrialização. Em paralelo com a perda de biodiversidade, é a saúde dos humanos que passa a estar em perigo, afirma Karina Xavier, investigadora do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC).

Podemos estar a perder um potencial biológico que é importante para a nossa saúde”, alerta a cientista em entrevista ao podcast Futuro do Futuro.

Karina Xavier, invesstigadora do Instituto Gulbenkian de Ciência em entrevista ao podcast Futuro do Futuro
José Fernandes

Como nos animais de maior porte, é a quebra da cadeia alimentar que ameaça os micróbios. Karina Xavier dá como exemplo as bactérias que vivem nos intestinos e se alimentam de algumas fibras que só existem em vegetais. Mas se não se puderem alimentar, essas bactérias não têm como sobreviver.

“Se não comemos vegetais e só comemos alimentação processada, perdemos essa diversidade desses micróbios”, alerta a microbióloga do IGC.

Perante este cenário pouco auspicioso, cientistas da Universidade de Rutgers, nos EUA, da Universidade de Lausana e da Universidade de Zurique, na Suíça, lançaram um projeto internacional com o objetivo de recolher amostras de fezes de tribos remotas da Etiópia e da Amazónia com o objetivo de preservar bactérias num bunker – e garantir a possibilidade de as ressuscitar mais tarde. E é precisamente esse projeto, que dá pelo nome de Microbiota Vault e conta com a participação do IGC, que levou Karina Xavier a corresponder ao primeiro desafio que costumamos apresentar aos entrevistados do Futuro do Futuro, com uma ilustração da autoria de Joana Carvalho.

Ilustração sobre a recolha de bactérias em vias de extinção no âmbito do projeto Microbiota Vault
Joana Carvalho

Nesse desenho, é possível ver uma cientista a transportar bactérias para preservação num bunker, a baixas temperaturas.

Nos trabalhos levados a cabo nos últimos anos, a equipa liderada por Karina Xavier conseguiu identificar formas de comunicação entre diferentes espécies de bactérias que habitam nos intestinos. Essa comunicação tende a refletir as relações de cooperação e competição entre os micróbios.

No segundo desafio do Futuro do Futuro, Karina Xavier propõe a escuta de uma trilha sonora com os sons produzidos por várias pessoas numa praia. O som pretende ilustrar uma comunicação que funciona como um esperanto e que abre a possibilidade de um dia se poder manipular as diferentes relações entre micróbios. “As bactérias que estão presentes nos nossos intestinos estão muito relacionadas com a suscetibilidade de vários tipos de doenças”, recorda a cientista.

Perante esta certeza, resta esperar que médicos e laboratórios de análise se adaptem a novas abordagens e métodos de diagnóstico.Quando formos ao médico não vamos só recolher amostras de sangue; vamos também recolher amostras de cocó para perceber qual é o estado da nossa microbiota e aí tentar prever e atuar sobre determinadas doenças”, prevê Karina Xavier.

Tiago Pereira Santos

Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: senecahugo@gmail.com

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