Humor à Primeira Vista

Manuel Cardoso: “A IA não tem piada nenhuma agora. Daqui a 6 meses vai ser melhor que os nossos primeiros 5 anos de carreira”

Em 2024, com o seu terceiro espetáculo de “stand-up comedy”, Manuel Cardoso está disposto a sinalizar todos os comportamentos tóxicos que encontrar. Os dos outros, mas também os seus. A segunda fase da tour de “Red Flag” tem início em fevereiro. No seu regresso ao podcast “Humor À Primeira Vista”, explica qual é a maior red flag que um humorista pode ter, desvenda como foi a experiência de abrir para Louis CK, relata a experiência de viver e fazer stand-up durante uns meses em Londres e Nova Iorque e mostra-se receoso com o impacto que a inteligência artificial pode ter na comédia

José Fernandes

O que é que achas que é necessário para teres longevidade na comédia? Para te manteres ao alto nível na comédia durante muito tempo?
Manter o alto nível significaria que já tivesse lá chegado e não é esse o caso. Acho que o projeto é esse, é chegar a um nível aceitável no fim da vida. Formares-te como humorista é um projeto para a vida toda porque isto é muito difícil. Com sorte chegas aos 70 anos e dizes “Fiz umas coisas giras aqui e ali”. Esse é o ânimo para todos os dias “estares na escola”. Temos esta sorte de o nosso trabalho ser também a nossa escola, porque começas do zero todos os dias quando tens uma folha em branco para escrever piadas, com a mesma dificuldade que enfrentavas quando começaste a escrever. É sempre difícil escrever comédia e acho que sempre vai ser.

Numa entrevista ao Observador davas a entender que o "Red Flag" é que devia ser o teu primeiro solo. Deves estar desgostoso com os dois anteriores - o "1994" e o "Farsa". Estes dois foram precipitados? Ou, ainda assim, eram necessários?
Sem dúvida de que nos últimos 16 anos a única forma que tive de aprender foi fazer. Naturalmente esses dois primeiros solos foram de aprendizagem. Este também é. Considero que vão ser todos. Mas diria que sim, no primeiro que fiz diria que há ali muita insipiência.

Queres ser um velho com guiões para vender, como diz o Ricardo Araújo Pereira?
Sim, identifico-me com essa ideia. Temo é que a competição da máquina seja inexorável.

José Fernandes

Estás a falar de inteligência artificial.
Sim. Eu acho que estamos naquela fase muito gira em que está toda a gente preocupada com Inteligência Artificial e os humoristas estão: “Epá, mas aquilo não tem piada nenhuma”. Não tem agora. Eu acho que daqui a seis meses vai ser melhor do que os nossos primeiros cinco anos de carreira.

Já andaste a fazer experiências?
Sim, já lhe pedi para fazer um monólogo.

Não correu bem?
Lá está, o ChatGPT está no seu primeiro ano, está na sua décima atuação. Está no Cinema City Alvalade. Acho que no mínimo vai precisar de editores e é nisso que temos de nos posicionar para que seja o nosso novo emprego: editores de Inteligência Artificial.

Aqui há uns tempos a Netflix publicou um vídeo de stand-up feito com inteligência artificial, com um texto escrito por inteligência artificial. Era muito mau, mas como estás a dizer vai tudo ser melhorado.
Aquilo faz contas de matemática e está bem. Mas não há aí, com projeção, péssimos matemáticos, ao passo que existe muito mau humor. Fazer mau humor, em princípio, tem lugar à mesa. Não podemos pôr de fora. Pelo menos o ChatGPT tem memória, lembra-se de coisas não muito giras, mas pelo menos lembra-se de coisas. Manda bolas para o pinhal.

Mas tens usado às vezes?
Tenho pudor porque não quero estar a alimentar o que me vai destruir, mas eu peço-lhe para fazer listas de palavras, que faz parte do meu método de escrita, de “brainstorm”, uma família de palavras. Antes fazia eu, mas demorava 45 minutos a preencher três páginas e às vezes passava-me uma que era óbvia. Pego nas do ChatGPT e construo as minhas de vez em quando. Mas se calhar é uma cedência de que me vou arrepender.

José Fernandes

Qual é a maior red flag que um humorista pode ter?
A maior red flag que um humorista pode ter é não ter interesse em fazer humor. Se for um interesse muito evidente em fazer algo que não seja comédia, é apenas um recurso a um título para chegar a pessoas, mas depois entrega uma coisa completamente diferente.

Só o título permite chegar às pessoas?
As pessoas têm interesse em humor. Não há dúvida disso. Longe de mim também ser um purista. Uma pessoa não tem de cumprir determinados critérios para se chamar humorista. É à vontade. Mas se o interesse for muito declaradamente outro, é preocupante porque é uma farsa.

Está a desvirtuar?
Pode desvirtuar. Em países que há uma grande divisão política tem-se desvirtuado um pouco o papel do humor. Entra demasiado na guerra política e cultural, ao ponto do objetivo final já não ser fazer rir. Como é o caso dos Estados Unidos e do Brasil também.

Tiago Pereira Santos

Gustavo Carvalho faz perguntas sobre comédia. O convidado responde. Sorriem… é humor à primeira vista. Oiça aqui mais episódios:

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: gcarvalho@impresa.pt

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