Humor à Primeira Vista

Joana Marques: “Não consigo dizer que fazem falta mais mulheres no humor. Fazem falta pessoas engraçadas, é igual se é homem ou mulher”

Sem ajuda de qualquer tipo de coach, a motivação cresceu em Joana Marques e não restou alternativa. A humorista vai mesmo atuar na maior sala de espetáculo do país, a Altice Arena, com “Desconfia”. Uma sátira aos coachs motivacionais e espirituais que, ironicamente, não nos deixam em paz. Além de conquistar o país com a rubrica “Extremamente Desagradável”, na Rádio Renascença, pertence à equipa de guionistas de “Isto É Gozar Com Quem Trabalha”, na SIC. No seu regresso ao “Humor À Primeira Vista”, com Gustavo Carvalho, anuncia detalhes sobre o que esperar de “Desconfia”, revela o que ainda há por melhorar em “Extremamente Desagradável”, explica porque receber um Globo de Ouro “não compensa o sofrimento” de ter aparecer e discursar e relata um episódio caricato em que “bateu” na colega de “Isto É Gozar Com Quem Trabalha” Cátia Domingues, numa disputa devido a uma piada

Às vezes os humoristas reagem com humor quando ainda estão magoados com uma situação. Isso tolda um bocado, o humor pode passar aquela barreira...
Sim, acho que nunca podes estar mais irritado do que predisposto a fazer alguém rir, ou tentar. Acho que tens que domar um bocadinho essa irritação.

E já sentiste isso?
Não, eu por acaso não tenho muito... aquilo diverte-me mesmo. Não me estou a lembrar assim de ninguém em que a irritação causada seja superior. Não tenho assim muita gente que me cause urticária. Se calhar as pessoas acham o contrário, e acham que isto são tudo ajustes de contas e vinganças. As pessoas divertem-me mesmo. A Cristina Ferreira, que é sempre tema recorrente, também por culpa minha porque falo dela muitas vezes, não tenho nada contra ela. Sinto que há alguma desconfiança quando digo isto, mas não tenho, nem me irrita sequer. Diverte-me. E dos exemplos que me estou a lembrar, quase todas as pessoas me divertem. Talvez o caso dos negacionistas seja o meu lado que se irrita mais. Porque às tantas é uma coisa que já é quase perigosa. Um egoísmo que a Cristina Ferreira eventualmente tenha não me afeta nada, ou um narcisista falar muito de si. Aquela ideia de não se vacinarem e fazer à maneira deles, não cumprirem as regras, isso já é outro lado que se calhar me irrita mais. Mas acho que nunca me irritou ao ponto de estar mais enervada do que a achar aquilo cómico.

João Pedo Morais

Concordas com a visão de que nos bastidores do meio da comédia ainda há aquela ideia de que as mulheres não têm tanta graça como os homens, ou isso já está ultrapassado?
Não faço ideia. Sabes que me passa um pouco ao lado. Há muito aquela coisa ligada ao stand-up comedy, um ambiente um bocadinho mais masculino, aquela coisa do comedy club, das conversas de bastidores. Eu sou uma pessoa que acorda às seis da manhã e está numa vida muito acética e sem relação com o mundo exterior, portanto não sei. Mas não, nunca senti, pessoalmente nunca senti isso. Nem consigo dizer que fazem falta mais mulheres no humor. Não. Fazem falta sempre pessoas engraçadas, acho um bocado igual se é homem se é mulher. Nem vejo isso muito como humor masculino ou humor feminino. Acho que se pegares num texto do “Extremamente Desagradável”, para alguém que tenha acabado de chegar e não saiba nada, e puseres um homem a fazer, será fácil que faça melhor do que eu, porque não me considero nada uma performer, estou a ler aquilo que escrevi. Pode ter o mesmo resultado. Não há ali nada que seja marcadamente feminino e que as pessoas pensem que foi escrito por uma mulher e que não faz sentido estar a ser dito por um homem. São observações sobre o mundo. Às vezes recebo mensagens de miúdas de doze, treze anos, que dizem “Eu quero ser humorista”. Acho isso fixe obviamente. Se calhar há uns anos, se não houvesse nenhuma, pensavam que não dava, que era só para homens. Mas isto no humor como noutra coisa qualquer. Como uma mulher que hoje em dia quer ser taxista e já é normal, se calhar há uns anos não pensava em ter um táxi porque era mulher. Acho que é o caminho normal das coisas, se calhar um bocadinho mais lento do que toda a gente gostaria, mas também não acho que se deve forçar. Acho que neste momento todas as mulheres que queiram ser humoristas, fazer projetos de comédia, têm abertura total para isso. Não somos um país que seja fechado a isso. Nunca senti isso. Não podemos estar aqui a dizer que o “Extremamente Desagradável” está muitas vezes no top dos podcasts mais ouvidos e ao mesmo tempo ter a ideia de que há uma grande resistência ao facto de ser uma mulher. Claro que as pessoas que não gostam podem atacar por esse lado. Mas podem atacar por esse ou por mais outros quinhentos. Acho que não bate muito certo eu chegar aqui e dizer que é muito difícil o mundo para as mulheres no humor, depois olhando ao resultado do podcast era uma queixa que não faria muito sentido. Ou para as oportunidades que tenho de fazer outras coisas. Claro que no universo total de humoristas há ainda uma percentagem muito menor de mulheres do que homens. Mas talvez porque elas estão ocupadas em fazer coisas realmente importantes, a serem médicas e coisas assim.

João Pedo Morais
Tiago Pereira Santos

Gustavo Carvalho faz perguntas sobre comédia. O convidado responde. Sorriem… é humor à primeira vista. Oiça aqui mais episódios:

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: gcarvalho@impresa.pt

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