Sobre o espetáculo que tens agora em tour, "Não sou eu... é a minha cabeça", dizes que não é um espetáculo de humor. Tem algum humor, mas não o assumes como um espetáculo de stand-up.
Sim, não é um “Cristina Talks”, mas…
Mas porque é que fazes essa comparação?
Porque podem achar que é uma coisa motivacional e não é tanto nesse registo.
Peguei numa parte da sinopse. "Uma espécie de grupo de auto-ajuda, mas onde os problemas ganham a leveza moderada pelo humor.” O meio da auto-ajuda é muitas vezes gozado pela comédia. Tiveste algum receio quando passaste para este tipo de espetáculos?
Não porque os meus espetáculos já têm vindo a assumir um teor de storytelling e comédia. Uma referência que tenho é o Mike Birbiglia. Porque é muito neste registo, ele é um contador de histórias que tem piada. Ele tem boas piadas, como é óbvio. É muito bom. Mas não é de ir às lágrimas. Aquilo prende porque é uma história que ele está a contar. Tem as pausas, volta atrás. Estás a ver o espetáculo dele como se fosse um filme. Não é o meu registo, mas é a minha intenção. O primeiro solo que fiz, antes do "As Marias", chamava-se "Qual é a piada?". Aí era stand-up normal, vários temas. Depois "As Marias" já era um enquadramento da minha relação com as miúdas, tinha vídeos, era quase um espetáculo para pais, sobre como ser pai. Está no YouTube. E a partir daí os espetáculos começaram a assumir muito o formato de eu falar sobre mim, sobre a minha vida e as minhas questões e os meus medos. E acabam por culminar neste, e eu acho que cada vez vai ser mais este o meu registo. Trazer leveza a determinados assuntos que me preocupam e que eu sei que são importantes também, porque muitas pessoas partilham. É esse o sentido. Porque é que digo que é de auto-ajuda? Porque a auto-ajuda tem um valor e tem interesse, mas tem de ser feita a partir de dentro e não para dizer aquilo que as pessoas vão gostar de ouvir. "Tu és capaz, tu vais conseguir, tu és forte". A minha postura no espetáculo não é essa. Sou um gajo que está a lidar com determinadas questões, não estou curado. Não venho aqui dizer: "Olha para mim que consegui, vocês também conseguem" Não, estou ao mesmo nível dos outros todos, estou à procura de respostas. E é nesse sentido que falo dos meus medos, das minhas obsessões. Só que depois uso muita técnica de stand-up e de comédia para desconstruir aquilo. E para dizer muita porcaria pelo meio.
Mas tu pensas nisto como um espetáculo de stand-up com um formato ligeiramente diferente?
Lá está, é aquilo que eu vejo no Mike Birbiglia. É um espetáculo de stand-up? É. Mas é storytelling? Também é. E para mim a comédia sempre foi muito isto. Tenho muitas referências e gosto do stand-up puro. Mas dá-me prazer criar momentos em que as pessoas se estão a rir e a seguir estão super sérias. Porque crias aquilo que é importante na comédia. Para as pessoas se rirem elas têm de ir um bocadinho mais a baixo, um momento mais de expetativa, de pausa, para depois poderem rir. E funciona muito por estas ondas. Se puder acrescentar mais alguma coisa para além de ser apenas um momento de boa disposição, melhor.
Como é que hoje em dia olhas para vídeos que fazias com as tuas filhas?
Vejo alguns vídeos e arrependo-me. Vejo-as aos gritos e penso "Fogo, coitadas". Não são muitos, há um ou outro que me incomoda, em que eu acho que poderei ter esticado a corda.
O que existe nesses vídeos que te faz pensar que esticaste a corda?
O vê-las a gritar, achar que causei algum desconforto. Mas o engraçado é que vejo os vídeos com elas. Olho e estão a rir. E às vezes levam amigas lá a casa e estão a ver os vídeos, gostam de ver os vídeos. Às vezes estou no YouTube e aparece um vídeo delas, pedem para meter e gostam de ver. Para mim traz-me alguma tranquilidade. Muitas vezes falo com a Catarina e digo: "Será que traumatizei as miúdas?" E ela ri-se e diz: "Olha para elas e vê se estão traumatizadas." E a relação que tenho com elas mostra-me o contrário.
Gustavo Carvalho faz perguntas sobre comédia. O convidado responde. Sorriem… é humor à primeira vista. Oiça aqui mais episódios:
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