Humor à Primeira Vista

Humor À Primeira Vista #28 Pedro Boucherie Mendes feat. Ricky Gervais

Atual diretor de planeamento estratégico da SIC e, desde 2008, diretor da SIC Radical, Pedro Boucherie Mendes investiu em muitos conteúdos de humor no canal mais alternativo da SIC. Por lá passaram nomes como os Gato Fedorento, Bruno Nogueira, Rui Sinel de Cordes, Bruno Aleixo, entre muitos outros. Também a SIC apostou declaradamente em conteúdos de humor: “Levanta-te e Ri”, “Isto é Gozar com Quem Trabalha”, “Terra Nossa”; e prepara-se para lançar uma plataforma de streaming, em princípio ainda este ano. Nesta conversa, Pedro Boucherie Mendes desvenda ainda alguns pormenores e preconceitos sobre o humor na televisão portuguesa

Humor À Primeira Vista é um podcast sobre comédia feito em parceria com a rádio da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS FM). O estudante de jornalismo e grande fã de stand-up Gustavo Carvalho convida humoristas portugueses para falarem sobre os seus mestres e referências no mundo do Humor. Há paixões comuns. Há palavras em inglês. Há decisões difíceis. Há uma boa probabilidade de ambos serem demasiado viciados no tema e de que a conversa se estenda para além do suposto. Há perguntas sobre comédia. Há respostas. Sorriem... Podia ser amor, mas é Humor À Primeira Vista.

A SIC apostou em conteúdos de humor ligados a pessoas já estabelecidas no meio: “Isto é Gozar com Quem Trabalha”, com o Ricardo Araújo Pereira; “Levanta-te e Ri”, com o Fernando Rocha; e “Terra Nossa”, com o César Mourão. A geração de comediantes que segue uma linha de pensamento semelhante à do Carlos Coutinho Vilhena e do Pedro Teixeira da Mota refere várias vezes que gosta de ter uma certa independência em relação a órgãos de comunicação social. Isso preocupa a aposta que a SIC quer fazer no futuro?
Ou seja, estás a dizer, no fundo, se a concorrência das redes nos preocupa... Eu acho que as duas coisas podem existir em simultâneo. Acho não, tenho a certeza, tanto que existem. Sendo que algumas figuras, como aquelas que citaste, preferem ter uma identidade própria através das redes sociais, porque conseguiram arranjar forma de se sustentarem, seja através do Patreon ou da venda de bilhetes nos espetáculos que fazem. Mas não vejo nenhuma nuvem negra no horizonte por eles e outros - como a Bumba na Fofinha - preferirem o digital à televisão tradicional. Não nos tira o sono.

Mas se isto se tornar tendência até que ponto irá existir um programa como o do Ricardo Araújo Pereira em televisão?
Não faço ideia. Quer dizer, ninguém sabe. O que nós sabemos é que tem sido o programa mais visto todas a semanas, quando é emitido no domingo à noite. Portanto, se calhar os jovens humoristas preocupados com a televisão, que pode estar a ser ameaçada pelo digital, estão na vanguarda da preocupação. Os espectadores mais tradicionais, se calhar, não estão assim tão preocupados. Em todo o mundo, os humoristas estão na televisão e têm projetos de humor. Claro que em mercados maiores, como os Estados Unidos da América, a televisão paga tão bem - e eles fazem anúncios e espetáculos ao vivo - que escusam de perder tempo a fazer experiências digitais. Eu, por exemplo, acho que a maior parte das pessoas normais, do chamado mainstream, não tem noção de que existe um circuito forte de comédia no digital e nos espetáculos ao vivo. Se calhar os filhos dessas pessoas sabem, ou os irmãos mais novos, mas não me parece que os adultos de trinta ou quarenta e tal anos, se apercebam que há essa atividade dinâmica. Acredito que as pessoas ainda acham muito que as coisas ocorrem na televisão.

Há conteúdos do digital que funcionariam, por exemplo, na SIC Radical?
Penso que há muita urgência - e quase necessidade - de as pessoas da tua geração (21 anos) acharem que a televisão está morta. Por exemplo: "Ai, o live do não sei quantos teve 30 mil pessoas". Epá, mas qualquer episódio repetido de qualquer programa da SIC Mulher, por exemplo, tem 40 mil pessoas. Dá um pouco a ideia de que ter 30 mil pessoas no digital é como ter 3 milhões na televisão. Poderemos ter essa discussão: se é a mesma coisa, se dá para comparar. Mas não é essa a discussão que se está a ter. Para te responder de uma forma mais precisa: a televisão está sempre aberta à entrada de novos talentos. Ainda agora o Marco Horácio está na TVI. A Ana Guiomar, que de certa forma é uma atriz que faz comédia, apresenta um programa na TVI também. Talvez nunca, como hoje, os comediantes tenham tido tanto trabalho em televisão. Temos a Filomena Cautela e a Inês Lopes Gonçalves que fazem também sketches, ainda agora "gozaram" com as professoras da tele-escola - achei muita graça. Há imenso humor na televisão em Portugal, mas a malta mais de vanguarda tende a achar que não. Sem criticar essa perspetiva, há mais humoristas a trabalhar em televisão do que pensam. Estou-me a lembrar agora do Hugo Sousa, no Big Brother. A questão é que há certas experiências em que os próprios humoristas têm mais pica e mais motivação para experimentarem no digital do que propriamente fazerem numa televisão. A televisão exige mais preparação, mais reuniões. Há mais diretores a dizer que se tem de vestir uma camisa assim. No digital, o limite é mandar vir uma camara e fazer. Há mais liberdade criativa e de movimentos. Há alguns trabalhos bastante bons em digital, por exemplo, aquela série que o Carlos Coutinho Vilhena fez...

"O resto da tua vida"
Exato. Excelente, mesmo.

Achas que esse conteúdo funcionaria bem na SIC?
Acho que ninguém notaria. Não teria o eco que acabou por ter no YouTube.

Escolheste falar sobre Ricky Gervais. Sei que gostas muito de Jerry Seinfeld e de Larry David.
Imenso.

Porquê Ricky Gervais, então?
Eu escrevi um romance… em 2012, acho eu. Uma das personagens é obcecada por Ricky Gervais. Durante muitos anos venerei o Ricky Gervais. Gosto tanto dele que até nem tenho um discurso muito elaborado (risos). Acho que é um tipo com uma lata descomunal. Pensa muito depressa e tem uma vontade imensa de fazer coisas diferentes. O “The Office” é uma das minhas séries favoritas de sempre. O “Extras” talvez até seja melhor do que o “The Office”, mas tem muito menos episódios. O “Derek”, o “Life's Too Short”, e os especiais dele de stand-up. Já para não falar nos “Golden Globes”, em que tu ficas acordado - pelo menos falo por mim – não para ver os “Golden Globes”, mas o Ricky Gervais. Tem imensa coragem. Agora está a ficar velho - como eu também estou. Acho o “After Life” francamente mau e preguiçoso. Porque é o Ricky Gervais, se fosse outra pessoa qualquer eu se calhar nem tinha opinião, provavelmente nem teria visto. Mas o Ricky Gervais é obviamente um péssimo ator. Ele tentou ter uma carreira em Hollywood…

Também tentou ter uma carreira de cantor.
Sim, mas como ator mainstream também. Ele só enriqueceu verdadeiramente quando vendeu os direitos do “The Office” e foi para os EUA fazer uns filmes. Mas ele é tão mau ator. Faz um bocado lembrar o Herman, não é? Que faz sempre de Herman. Mas acho o Herman melhor ator do que ele. Quando eu digo que ele é mau ator é sobre o facto de ele não conseguir dar aquela palete de emoções que às vezes os papéis requerem. Gosto muitos dos seus espetáculos de stand-up, lá está, em que parece que é só ele e uma t-shirt preta. Ele é ateu, completamente pró-animais, e consegue incorporar essas duas facetas na sua escrita de humor. Acho que é uma coisa, epá... é como se eu conseguisse ser um grande humorista, genial, incorporando o meu sportinguismo, mas sem que ninguém se sinta mal ou excluído com isso. Ao nível da entrega é fabuloso, ao nível do texto é do melhor que há.

Expresso

Humor À Primeira Vista é um podcast sobre comédia feito em parceria com a rádio da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS FM) e pode segui-lo nas redes Facebook e Instagram.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: gcarvalho@impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate