Loures: os ciganos como golpe de marketing, a rutura de Ventura com o PSD e o início do Chega. Oiça o 6.º episódio de Entre Deus e o Diabo
Quando foi candidato a Loures, em 2017, André Ventura inventou o filão eleitoral do discurso racista e xenófobo contra a comunidade cigana como pura estratégia de marketing: João Gomes de Almeida, o seu consultor de comunicação, conta como durante um almoço combinaram uma entrevista a um jornal, a falar do tema. As reações contra o candidato fizeram dele uma “popstar” e levaram-no a querer fazer um partido. Acabou por sair do PSD em rutura com Rui Rio. Um amigo conta que ele “abominava” a direita radical, mas acabou por se converter e avançar com a ideia do Chega. Oiça aqui o 6º episódio do podcast Entre Deus e o Diabo, como André se fez Ventura, uma investigação do jornalista Vítor Matos
O crescimento do Chega e o discurso contra as comunidades ciganas tem “normalizado” a ciganofobia e levado a que haja atitudes mais discriminatórias, diz ao Expresso Bruno Gonçalves, presidente da Associação Letras Nómadas e ativista pela integração dos ciganos, no 6º episódio do podcast “Entre Deus e o Diabo”, sobre o percurso de André Ventura (pode aceder pelo QR Code em baixo).
Os resultados eleitorais do partido da direita radical, segundo ele, não potenciaram apenas reações populares, tiveram consequências políticas sobretudo em concelhos onde o Chega elegeu vereadores e membros das assembleias municipais (o que em parte aconteceu onde há maiores comunidades ciganas). O dirigente denuncia, sem identificar os responsáveis, que autarcas dos partidos do sistema deixaram cair políticas ativas de integração de ciganos por medo de o Chega crescer com o aproveitamento político que os seus representantes poderiam fazer.
NUNO FOX
“Sobretudo a nível do poder local, alguns políticos que não eram de extrema-direita, mas dos partidos convencionais, aproveitaram-se da chegada do Chega para continuar a perpetuar a ciganofobia. Dizem que não podem fazer políticas que possam alcançar também as comunidades ciganas por causa do Chega”, afirma Bruno Gonçalves, acrescentando que isto se passa “em quase todas as cidades onde o Chega conseguiu eleger”.
O presidente da Letras Nómadas — que esta semana organizou uma manifestação contra o Governo a pedir uma nova estratégia de integração e uma clarificação sobre a que organismo vão ficar associados — acusa os autarcas de falta de coragem: “Isto não é mais do que uma cobardia por parte de alguns políticos, não generalizo, que perpetuam a ciganofobia com a chegada do Chega, e é horrível estar a dizer isto.”
Ciganos em Loures: um golpe de marketing
A discriminação dos 52 mil ciganos que haverá em Portugal ter-se-á acentuado, segundo este ativista: “Começamos a ser acossados nos locais públicos, provocados, porque uma parte dos apoiantes do discurso de André Ventura ganharam coragem e começaram a enfrentar e a provocar”, conta em declarações ao podcast do Expresso.
A utilização dos ciganos como argumento eleitoral em Loures, na campanha autárquica de 2017 — como candidato do PSD —, foi pensado como estratégia de marketing. André Ventura tinha ouvido queixas sobre a comunidade quando realizou visitas a bairros e a entidades locais. Depois, durante um almoço nas Amoreiras, perguntou ao seu consultor de comunicação se ia ser “crucificado” se usasse esta bandeira na campanha. João Gomes de Almeida, o spin-doctor de Ventura nessa eleição, conta que este lhe disse que tinha um estudo a apontar que a insegurança era o fator que mais preocupava a população. E fez essa ligação aos ciganos.
Mesmo sem ter visto o estudo, João Gomes de Almeida revela como contactou um jornalista do “i” a dizer que o candidato do PSD tinha uma sondagem a concluir que os ciganos eram uma das principais preocupações. E foi então que André Ventura deu a entrevista que chocou o país político, acabou com a coligação com o CDS no concelho, e cujas reações acabaram por criar uma popstar, como diz Gomes de Almeida. Quando voltaram ao mesmo restaurante e Ventura foi aplaudido, comentou com o consultor: “Devíamos fazer um partido.”
Na verdade, no início de 2017 — e antes de saber que ia a Loures —, André Ventura já tinha pensado fazer um partido antissistema inspirado no movimento 5 Estrelas do comediante italiano Beppe Grilo. Jorge Castela, o amigo a quem recorreu (e que seria o primeiro ideólogo do Chega), conta como nessa época Ventura “odiava” Marine Le Pen, “abominava” Matteo Salvini e não gostava de Donald Trump. Em poucos meses tudo mudou.
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