O Governo "lamenta a decisão tomada" pelo Bloco de Esquerda de votar contra o Orçamento do Estado para 2022, admite que a situação como está "é difícil", dado que o BE se focou apenas nas suas nove propostas, e pede ao partido de Catarina Martins que avalie o OE como um todo e não apenas nas tais nove propostas. Numa conferência de imprensa realizada este domingo de tarde, foram três os governantes a detalhar as medidas negociadas com o partido de Catarina Martins na tentativa de desmentir a leitura bloquista, a quem apontam "intransigência" e de apresentar as medidas como "imposições". Para o Governo, a declaração do BE de voto contra "é definitiva".
Foi Ana Mendes Godinho que o disse. Durante a conferência de imprensa, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social entrou pelo lado mais político para dizer que esta negociação "tem de resultar de compromissos e não de imposições". Mas foi mais longe, disse, indiretamente, que o BE é intransigente e que não abdicou das suas propostas não as negociando: "O que tivemos foi uma total intransigência para conseguir aproximações. Na verdade, é preciso exigir tudo e de nada prescindir para garantir que tudo fique na mesma. É isso que não queremos que aconteça", disse.
Antes tinha falado Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que apresentou medidas negociadas com os partidos da esquerda com a intenção de desmentir a avaliação feita pelos bloquistas. "O Governo aproveita para sinalizar que não se revê na descrição feita quer no conteúdo do OE quer relativamente ao processo negocial com o Governo", disse o secretário de Estado responsável pelas negociações com os partidos da esquerda. O governante insistiu na ideia de que ainda há espaço para negociar porque a "disponibilidade do Governo não é retórica" mas afirmou que há diferentes posturas - a do Governo, que quer alargar as possibilidades de entendimento: e a do BE, que se fechou.
Se o BE se concentrou apenas nas nove propostas é porque "na realidade a disponibilidade do BE não é muito grande". "Por mais disponibilidade que tenha, o Governo encontra-se numa posição difícil na medida em que o BE faz a avaliação de voto apenas em relação às medidas que nos apresentou" e por isso, insiste, espera que o BE traduza em propostas algumas das medidas que Catarina Martins falou na declaração e avalie o documento no seu todo.
O Executivo e o BE estão em plena guerra pública sobre as negociações. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares lançou várias medidas que diz responderem às exigências do Bloco de Esquerda, mas assume que não as aceitou por completo. "O BE foi consolidando a sua agenda e fechou-se num conjunto de nove propostas concretas. E foi-nos sinalizado que ou o Governo as aceitava ou o BE não teria condições para viabilizar o OE de 2022. O Governo procurou responder às nove em concreto, mas nunca deixando de ter no horizonte as respostas que o OE tem nem as reformas aprovadas na última semana", disse. Duarte Cordeiro acrescentou que houve "aproximações" em várias destas medidas, mas reconhece que não em todas.
Contudo, disse mais tarde, "os partidos já viabilizaram orçamentos que não tinham nem de perto nem de longe os avanços que este Orçamento tem", numa tentativa de pedir ao partido de Catarina Martins que leia o OE além do que foram as suas propostas.
Na conferência de imprensa, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares falou de várias medidas negociadas com o BE e focou-se sobretudo naquilo que Catarina Martins disse serem as prioridades do partido - salários, pensões e saúde. Nesse aspeto, Duarte Cordeiro falou do aumento do salário mínimo em 40 euros, do aumento de salários da função pública, do aumento de pensões e ainda das mexidas no IRS e lançou ao BE um repto, dizendo que o partido tem até quarta-feira "para reavaliar a sua posição". "O Governo mantém a disponibilidade para avaliar o processo normal do OE e aprofundamento na fase da especialidade", disse.
Mas não se ficou por aqui. Numa indireta ao partido de Catarina Martins, Duarte Cordeiro frisou que a coordenadora do BE falou dessas várias prioridades mas que "não se traduziram em propostas em nenhum momento negocial" e que, na verdade, "a generalidade das nove propostas [essenciais para o BE] são extraorçamento".
Depois de Duarte Cordeiro foi a vez de Marta Temido, ministra da Saúde, detalhar demoradamente cada uma das medidas na área da Saúde negociadas com o Bloco de Esquerda, não só no que à exclusividade dos profissionais do SNS diz respeito como a criação da carreira de técnico auxiliar de saúde. Marta Temido recusa a ideia de que este OE é pouco ambicioso. "Reforça o SNS não só nas condições de trabalho como também nas respostas aos utentes", disse a ministra.
Depois das reuniões de sexta-feira entre o Governo e os antigos parceiros de esquerda, o Bloco de Esquerda reuniu a sua direção, a Mesa Nacional, e de lá saiu a decisão de que o partido irá votar contra o Orçamento do Estado para 2022 se nada mudar até quarta-feira.
Ainda Catarina Martins falava aos jornalistas já o Governo estava a marcar uma conferência de imprensa para as 17h30 com os governantes. Os dois lados estão já na fase de passa-culpas em público, o que faz antever que em relação ao Bloco de Esquerda não há volta a dar e haverá um rompimento - não assumido direta e publicamente por nenhuma das partes.
Falta ainda saber a posição do PCP, que tem este domingo uma reunião do comité central do partido, mas nada transpirará desse encontro.
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