João Garcia

Vêm aí os marcianos — a menos que lhes falte o combustível

Só falta o ministro da Defesa fazer uma conferência de Imprensa ao lado do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas para se perceber que está iminente uma invasão por marcianos. Ou então que vem aí uma outra terrível ameaça inesperada para uma sociedade democrática e organizada. O certo é que já se discute se as Forças Armadas podem e devem ser mobilizadas.

Siza Vieira, Pedro Nuno dos Santos, Vieira da Silva e Matos Fernandes, pelo menos, já se envolveram diretamente no problema. O próprio Presidente da República pronunciou-se sobre a desgraça anunciada, pedindo calma e contenção.

Que se passa? Afinal, é apenas uma greve. De um setor estratégico, sim, mas apenas uma greve legal, com pré-aviso e tudo. Daquelas com as quais uma democracia madura tem de saber viver.

Haja ou não paralisação – à hora que escrevo não faço ideia se os camionistas vão ficar fora das cabinas -, há um dado adquirido: os camionistas e o seu advogado Pardal Henriques ganharam. E venceram, mesmo que não tenham um cêntimo de aumento e que haja alguma hostilidade na opinião , por criaram uma histeria nacional. E só quem tem poder consegue tal: o Governo até vai reunir o seu gabinete de crise a um sábado de manhã.

A corrida às bombas é o menor dos sinais. Afinal, cá, qualquer motivo serve para encher o carro de combustível. A maior prova da força dos camionistas é esta azáfama em que o Governo se deixou envolver, mostrando que um controverso advogado pode pôr tudo de cabeça louca. Não haverá ninguém capaz de vir dizer que, apesar da paralisação, o país vai resistir e continuar a trabalhar ou a divertir-se, que os turistas vão poder continuar a passear e que nada vai faltar nos supermercados? Vai ser uma Venezuela?

Não há, porque a estratégia do Governo foi tentar partir os camionistas, apelando à solidariedade para com o país, como se uma classe laboral em luta e acossada alguma tivesse tido o coração maior que o bolso e que o orgulho de vergar os adversários. É a vida, para citar o conhecido desabafo de António Guterres.

A generalidade das paralisações sempre se combateu desvalorizando os seus efeitos e anunciando logo como se anulam os seus efeitos. Pois os estrategos, desta vez, optaram por ir em sentido contrário, anunciando ao Armagedão, como se nada houvesse a fazer. E se nada havia, realmente, a fazer, é por os senhores grevistas serem mesmo poderosos. E se o são, porquê desistirem? Se são tão temidos, porquê baixarem os braços? Se têm tanto poder, porquê abdicar? Se a vitória não for agora, na próxima será.

Optar por encontrar podres no líder espiritual dos motoristas também não é via avisada. Obviamente que o sindicato sabe quem contratou e dele fez vice-presidente. Se desconhecia quando o foi buscar, já o sabe agora. Mas que interessa à corporação haver acusações sobre operações menos claras no imobiliário e outras controversas ações, se foi ele o obreiro desta operação que vergou o país perante os camionistas. O melhor é estar preparado, pois outros Pardais vão surgir noutros setores.

Com o alarido criado e a internet sempre atenta, a crise dos combustíveis transformou-se em drama. O Governo explorou os efeitos nefastos do conflito e os demais atores ampliaram. Os alertas na internet sobre notícias relativas à greve, os mapas sobre os oásis petrolíferos, os conselhos óbvios sobre como poupar combustível – vá lá, que não veio ninguém sugerir que se desliguem os carros nas descidas… - só serviram para aumentar a vitória de Pardal Henriques e associados.

Este é um claro conflito dos tempos modernos. Dos tempos da fragmentação social, da fragilidade do sindicalismo tradicional – que até apoia as reivindicações dos operários do volante –, dos egoísmos corporativos, da solidariedade decrescente, da pouca ou nenhuma perspetiva política (não partidária) dos movimentos sociais. E da internet e de um período pré-eleitoral. Principalmente, de uma sociedade que não está organizada para estes novos desafios, como a greve dos enfermeiros dos blocos operatórios bem alertou.

Conflitos radicais de setores chave da sociedade vão estar na ordem do dia. Os negociadores já não serão os sindicalistas com maior oratória e capacidade de argumentação. Em seu lugar virão profissionais bem pagos, como mostraram Pardal Henriques e quem lhe deu notoriedade. Ficou evidente que há um novo mercado com potencialidade, e que negociar (provavelmente à comissão) por parte de sindicatos ou de patrões é outra oportunidade de negócio.

Arrisco: o mais certo é segunda ou terça-feira já ninguém andar preocupado com o depósito (isto se houver greve, porque talvez o problema termine mesmo no sábado). As gasolineiras ter-se-ão acautelado e os condutores também. Fica, porém, o sentimento de insegurança e a vitória dos que acreditam na desestabilização para proveito próprio. O Governo deixa a sensação de ter andado a tentar acelerar atrás de um problema, procurando fazer funcionar um motor usado, sem ´performance` para as exigências atuais. Ao convocar o gabinete de crise – como fez ao fim da tarde de sexta-feira – o primeiro-ministro só mostra que está alarmado. Que está sem soluções. A menos que saiba que não vai haver greve e queira fazer disso vitória sua.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: garciajadag@gmail.com

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