Onde luxo é não ter horas, mas tempo e memórias

O primeiro hotel de cinco estrelas da Ericeira, onde Catarina Nunes revisita memórias da adolescência, dá o mote à crónica ‘Sem Preço’
O primeiro hotel de cinco estrelas da Ericeira, onde Catarina Nunes revisita memórias da adolescência, dá o mote à crónica ‘Sem Preço’
Jornalista
Tive o privilégio de passar temporadas de verão e passagens de ano na Ericeira, sinónimo de dias de praia e surf e de noites na mítica discoteca Ouriço, onde criei das melhores memórias de adolescência. É com alguma expectativa que agora regresso aqui, décadas depois, certa de que as memórias são espaços emocionais com contornos próprios e irrepetíveis.
Não é com o passado como referência, porém, que Alexandra Almeida d’Eça e Pedro Araújo Lopes decidem construir o hotel Immerso, uma vez que nenhum dos dois tem ligação à Ericeira. O casal chega a esta localização incentivado por um dos sobrinhos, que sonhava mudar-se para aqui para montar uma guest-house e surfar sempre que lhe apetecesse. Com a epifania de que a Ericeira podia ser Biarritz, e com o excesso de oferta hoteleira no segmento médio, o projeto acaba por evoluir para um hotel de cinco estrelas, o primeiro na região, que abre portas em junho de 2022. A ideia é ter um ‘hotel-destino’, onde os dias não têm horas, mas tempo, diz Alexandra Almeida d’Eça.
Ao contrário dos verões da minha adolescência, a dois passos da praia e do Ouriço, no coração da Ericeira, a vivência no Immerso está mais vocacionada, como a denominação indica, para a imersão na natureza e isolamento. Primeiro, está construído na encosta de um vale em Santo Isidoro, com vista para a praia de São Lourenço, mas não é propriamente um hotel de praia. Está afastado da costa, sem caminho direto para o areal, mas há transfer diário para o centro da Ericeira. Segundo, a prática de surf é das experiências que os hóspedes mais procuram, e o Immerso tem uma parceira com a escola de Tiago Pires, mas não é um hotel posicionado para este desporto. Pedro Araújo Lopes refere, porém, que os surfistas são bem vindos, sendo mais habituais aqueles que viajam em família e que procuram conforto e serviços.
O hotel tem ainda uma parceria com a Semente, que permite aos hóspedes participarem na criação da sua própria prancha de surf, durante uma semana. Mas esqueça se procura no Immerso o imaginário da minha adolescência, com grupos de surfistas com pranchas debaixo do braço, música alta, copos e diversão. O convite aqui é para desligar, usufruir da paisagem e cuidar do bem estar. É neste território que o Immerso é destacado pela Condé Nast Traveler, que lhe atribui o 12º lugar na lista dos 20 Melhores Destinos de Spa na Europa, nos prémios Reader’s Choice 2023. Isto significa que os leitores da Condé Nast Traveler, com uma validação independente dos editores da revista, consideram o spa do Immerso o melhor de Portugal, numa tabela onde surge também o spa do Six Senses, no Douro, mas em 14º lugar.
A distinção da Condé Nast não elenca as características que se destacam, mas uma pesquisa nas críticas do Booking poderá apontar algumas: a qualidade das terapeutas e a simplicidade do espaço. Ambas se comprovam, seja na massagem relaxante da terapeuta Hilda, com óleo aromático da Vinoble Cosmetics, como na forma como o spa está estruturado. Há uma primeira sala à entrada, com sauna, banho turco e duche sensorial com balde de água gelada, seguida de três salas de massagem, uma delas para duas pessoas em simultâneo e com jacuzzi. A oferta de tratamentos abrange diferente propósitos, incluindo abordagens mais holísticas (miofascial, shiatsu e ayurveda) além das massagens convencionais (relaxamento, desportiva e pedras quentes). A par com o corpo, e também com os produtos vegan da Vinoble, estão disponíveis dois tratamentos faciais que têm como ingrediente principal os antioxidantes das grainhas das uvas.
O foco no bem-estar é complementado com um ginásio, aulas de ioga e bicicletas elétricas, que permitem explorar a envolvência. O hotel, por si só, tem bastante para descobrir, em particular no território da arte contemporânea e dos ofícios manuais, um dos pontos fortes, além da própria estrutura arquitetónica. Alexandra Almeida D’Eça é a responsável pela curadoria das obras e de algumas peças, em que procura dar palco ao que de melhor se faz em Portugal. Iva Viana é a primeira artista que contacta. É a ela que cabe a criação de um painel em gesso, baseado na topografia do terreno e planta do hotel, que se encontra no lobby e que é desmultiplicado em todos os 37 quartos (dois deles suites), em vários painéis diferentes como se fosse um puzzle. O objetivo é que haja um efeito de uniformidade e continuidade entre a área social e as zonas privadas.
Em termos de mobiliário e decoração destacam-se nos quartos e no lobby os tapetes Sugo, de Susana Godinho, feitos à mão com desperdícios de lã e fio de cortiça, as mantas Futah nos pés das camas, e os candeeiros do restaurante Emme e as cadeiras de baloiço dos quartos, ambos da Oficina 166, de Diana Cunha. Num dos corredores há uma mandala gigante Palmas Douradas, de Maria João Gomes, pintada com cores sugeridas por Tiago Silva Dias, que assina o projeto de arquitetura, enquanto no spa encontra-se um espelho de Anna Westerlund. A obra mais intrigante é um painel em cortiça da Gencork, com formas orgânicas como se fossem dunas de terra, que ocupa toda a parede por cima da lareira, na sala de estar do restaurante.
Nas mãos de internacionais estão as cadeiras do restaurante, do designer mexicano Diego Franco, e as tapeçarias LRNCE, da designer belga que vive em Marrocos, Laurence Leenaert. As intervenções no exterior do Immerso, essas, estão todas por conta do talento de artistas nacionais. João Noutel assina a instalação ‘Mergulho em Ti’, uma espécie de capacete com máscara de mergulho em grande escala, a par com um banco do Los Pepes Studio, integrado num anel em betão com vista para o mar, de onde se pode apreciar o pôr do sol. Também no exterior, em frente à entrada do Immerso, o símbolo da Ericeira (e que dá o nome à discoteca da minha adolescência) faz as honras da casa com o ‘Uniouriço’, uma instalação em madeira de Paulo Reis, que replica um ouriço do mar em tamanho gigante.
Para os desconhecedores da história, reza a lenda que Ericeira significa ‘terra de ouriços’, por causa da abundância de ouriços do mar nas praias desta zona, e a origem desta vila remonta ao ano 1.000 a.C., com a presença dos Fenícios. Com uma descoberta mais recente, chega-se à conclusão que, afinal, a figura desenhada num antigo brasão da vila será um ouriço caixeiro e não um ouriço do mar. Alheia a esta divergência, e às noites épicas no Ouriço, é a recomendação da Costa de Prata, incluindo a Ericeira, como um dos locais a visitar na Europa em 2024. Esta é, aliás, a única localização em Portugal a figurar na lista de 12 destinos da Condé Nast Traveler, justificada com “as aberturas boho num canto desconhecido do país”, entre as quais refere o Immerso e o seu foco no artesanato.
Injustamente, não é escrita uma linha sobre o restaurante Emme. Mas a cozinha atlântica com foco no peixe da Costa e produtos do oeste, sob consultoria do detentor de uma estrela Michelin Alexandre Silva, já tinha sido salientada pela Condé Nast Traveler, na lista anterior dos melhores lugares a visitar em 2023, em Espanha e em Portugal. Os menus preparados para a época das festas podem não ser a experiência mais fiel à cozinha habitual do Immerso, mas serão uma aproximação. O jantar da noite de Natal inclui carpaccio de polvo, lombo de bacalhau confitado, galo no tacho com vinho tinto e buffet de sobremesas tradicionais. Para não passar ao lado de um dos pratos mais emblemáticos da carta do Emme, arrisque ouvir um ‘não’ e peça o pica-pau do mar, uma receita que o chef residente Maurício Pinto trouxe de uma viagem à Tailândia. Pode ser que esteja disponível.
O fim de ano no Immerso é bastante diferente dos meus reveillons na Ericeira, de bar em bar até desaguar no Ouriço e dormida em casa de amigos ou numa pensão qualquer, em que a qualidade não era o critério. No Immerso tudo é vários furos acima. O jantar faz-se com carabineiro confitado, robalo escalfado, vitela e coulant de chocolate e sobremesas tradicionais, num programa que inclui também fogo de artifício, festa com DJ e ceia, além de pacotes com alojamento incluído. Ficando para dormir, vale a pena tomar atenção ao aroma que se sente nos quartos e corredores do hotel e à música ambiente, diferente em todas as áreas. A identidade olfativa do Immerso é criada pelo perfumista Lourenço Lucena, remetendo para a envolvência local com notas de mar, alecrim, rosmaninho, flores campestres, sobre uma base amadeirada com baunilha.
Elvis Veiguinha, produtor e designer de som, é o responsável pela conceção da identidade sonora, o que na prática significa ter diferentes playlists a tocar no interior, exterior, spa, restaurante e piscina. Habitualmente a música é clássica com toques de pop, mas no Natal cede às canções da época. As escolhas de Elvis Veiguinha fazem tanto sucesso que Isabel Menezes, responsável de marketing do Immerso, conta que a pedido dos clientes as listas de reprodução estão disponíveis no Spotify. A mim basta-me o silêncio ou o som da natureza, num revisitar de memórias da Ericeira, que são mais do que um lugar.
Immerso
Quartos a partir de €280 até €600, por noite
Menu de Natal (€65 por pessoa, sem bebidas)
Menu de fim de ano (€250 por pessoa, com bebidas, bar aberto e ceia)
Programa de fim de ano com alojamento e pequeno-almoço (entre €580 e €805, uma noite; entre €832 e 1.032, duas noites)
Rua Bica da Figueira
Santo Isidoro
Ericeira
+351 261 104 420
reservas@immerso.pt
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