Crónica

A Dior, a expansão das lojas de luxo e a crise que não toca tudo nem todos

A nova loja inclui um jardim num terraço virado para a Praça da Alegria
A nova loja inclui um jardim num terraço virado para a Praça da Alegria
Jonathan Taylor

Na crónica ‘Sem Preço’, Catarina Nunes reflete sobre o contexto em que a nova loja Dior abre na avenida da Liberdade, em Lisboa

A Dior, a expansão das lojas de luxo e a crise que não toca tudo nem todos

Catarina Nunes

Jornalista

Era certo que depois da pandemia viria uma crise, não necessariamente com os contornos que estamos a viver, com duas guerras pelo meio. Menos previsível era que, depois de dois anos em confinamento e com o comércio fechado – em que as compras na Internet reinaram –, se seguisse um frenesim de aberturas de lojas físicas em território nacional, em Lisboa mas também no Porto, onde a avenida dos Aliados emerge como uma nova centralidade de luxo.

A tendência começa em 2022 e intensifica-se ao longo de 2023, culminando agora com a há muito aguardada loja própria da Dior, na avenida da Liberdade. Esta abertura não prova apenas o reforço de Lisboa enquanto destino consumidor de luxo, muito alavancado pelos residentes endinheirados e por Portugal estar na moda. É também uma nova bandeira no mapa da estratégia de expansão da rede de lojas Dior por todo o mundo. Só este ano, a marca francesa abre de raiz ou reformula cerca de uma dezena de pontos de venda. Os países de destino encontram-se na Europa, mas há uma forte intensidade nos Estados Unidos (um dos maiores mercados de luxo a par com a China) e em geografias emergentes no luxo, como a Austrália e agora Portugal.

Eduardo Souto Moura é o responsável pelo projeto de reabilitação do edifício da loja Dior
Jonathan Taylor

Em comum, os novos espaços Dior têm o conceito de ‘loja-bandeira’ onde é possível encontrar todas ou a maioria das linhas de produtos, tendo como referência a loja-mãe em Paris, no número 30 da Avenue Montaigne, onde Christian Dior dá início às criações em nome próprio, em 1947. Lisboa não é exceção e, à escala portuguesa, a loja Dior no número 85 da avenida da Liberdade, a fazer esquina com a Praça da Alegria, não lhe fica atrás. Com piso térreo e mais dois andares, está instalada num edifício construído em 1888 para residência da família de Alfredo Keil, artista, colecionador de arte e compositor do hino nacional.

A fachada é semelhante à da mansão que alberga a Dior em Paris e o design dos interiores é idealizado pelo norte-americano Peter Marino. O projeto do arquiteto principal de todas as lojas Dior (incluindo a remodelação do número 30 da Avenue Montaigne, que reabre em março de 2022) é materializado em Lisboa, em conjunto com arquitetos e empreiteiros locais. A reabilitação de todo o edifício, essa, coube a Eduardo Souto Moura. Em termos de materiais e mobiliário da loja, a Dior escusa-se a referir as suas origens, avançando apenas que procura o melhor em fornecedores de todo o mundo. A ligação a Portugal é feita com obras de Pedro Calapez e Joana Vasconcelos, artista que tem um histórico de colaborações com a Dior. Já lá irei.

A loja-mãe da Dior em Paris, reaberta em março de 2022, é a base de inspiração da loja de Lisboa

Há anos que esta loja monomarca alimenta as expectativas de curiosos e dos que têm conta bancária à medida, desde que se começa a ouvir dizer, mais intensamente, que a abertura estaria para breve. Ainda estávamos em plena pandemia. A necessidade (ou o desejo) cresce com a saída da Dior da Loja das Meias, que deixa resumida a oferta nacional de roupa, calçado e alguns acessórios femininos à Linda Mendes. Esta loja multimarcas no Porto, porém, não vende carteiras Dior nem as coleções de homem. Os óculos encontram-se em alguns pontos de venda multimarcas, como o El Corte Ingles e algumas óticas em Lisboa e no Porto, segundo o que está referido no site da Dior e pelo menos até à data. Refiro ‘até à data’ porque a tendência crescente entre as marcas de luxo é de controle total do retalho físico ou online, sem recorrer a lojas de terceiros ou plataformas digitais intermediárias. Também já lá irei.

É a imprensa que as portas da Dior na avenida da Liberdade se abrem pela primeira vez, a 22 de novembro, seguindo-se a abertura ao público dia 24. No dia seguinte, sábado, a Dior capitaliza ainda a presença de celebridades vestidas com as criações de Maria Grazia Chiuri (Carla Pereira, Maria João Bastos, Sónia Balacó e Victoria Guerra), na gala de entrega dos prémios GQ Men of the Year, em Lisboa. A visita ao novo espaço é guiada por três representantes da Dior, duas delas vindas da casa-mãe em Paris e uma da sucursal em Madrid, de onde são geridas as operações em Portugal, acompanhadas pela diretora da loja em Lisboa. Já era certo que Maria Grazia Chiuri, diretora criativa e responsável pelas coleções femininas da Dior, não estaria presente por incompatibilidade de agenda. Menos certa era a impossibilidade de obter respostas a perguntas, enviadas previamente, sobre esta loja e a relação de Maria Grazia Chiuri com Portugal e com Joana Vasconcelos.

Os dois painéis de azulejos Azulima, desenhados por Joana Vasconcelos, encontram-se no topo do piso da entrada
Jonathan Taylor

Também falha ou não estaria programada a presença de Joana Vasconcelos, a caminho da inauguração da sua maior exposição individual no Brasil, no Museu Óscar Niemeyer, em Curitiba. A artista portuguesa nascida em Paris acaba por dar as boas vindas, mas com duas das suas obras, criadas para o novo espaço Dior. À entrada do piso térreo, uma escultura-instalação em tons suaves (bege, marfim, rosas e azuis) faz a ligação entre os três pisos da loja, que totalizam 1.050 metros quadrados de área. A Valquíria, com 24 metros de comprimento, está entrelaçada no centro da escada de caracol que dá acesso aos dois níveis superiores. Como uma criatura viva, a obra têxtil é pensada e instalada para ser tocada, convidando os visitantes a sentirem as diferentes texturas (crochet, malha, tecidos e pérolas aplicadas, etc). Joana Vasconcelos, aliás, já é ‘prata da casa’.

Em 2013 cria uma obra inspirada no perfume Miss Dior e em 2019 participa no projeto de reinterpretação da carteira Lady Dior enquanto objeto de arte. Mais recentemente, para o desfile Outono/Inverno 2023/24 em março de 2023, concebe uma Valquíria gigante com os tecidos usados nas roupas desta coleção. Esta instalação serve de cenário suspenso que acompanha o desfilar das modelos e, posteriormente, é usada noutra apresentação em Schenzen, na China. Ainda no piso da entrada, Joana Vasconcelos tem uma segunda obra, um conjunto de dois painéis de azulejos portugueses Azulima, que a artista desenha em cores fortes e recorrendo a temas comuns à Dior, como o sol e as flores, por exemplo.

As propostas de pronto-a-vestir e calçado da coleção Cruise 2024 encontram-se no primeiro andar
Jonathan Taylor

É neste primeiro espaço que se dão a conhecer as linhas de carteiras, joias (incluindo a alta joalharia de Victoria de Castellane, diretoria criativa da Dior neste segmento) e acessórios, como óculos de sol, lenços em seda e cintos com o monograma CD, por exemplo. O grande destaque vai para as várias versões e tamanhos de carteiras icónicas, como a Lady Dior e a Book Tote, em que sobressaem os temas e padrões da coleção Cruise 2024, com a qual a loja Dior se estreia em Lisboa e que tem um ‘palco’ alargado no piso superior, com as propostas de pronto-a-vestir e calçado femininos. O México e a sua incontornável Frida Kahlo dão o mote às criações regidas pela liberdade e independência da artista mexicana. Imperam as flores e as borboletas, que remetem para a denominação da coleção Cruise 2024, Metamorphosis, e símbolo transversal à Dior e ao poder transformativo da moda e dos adornos.

No primeiro piso, onde se encontra a obra do artista Pedro Calapez, as propostas Cruise 2024 incluem os icónicos J’Adore Dior, sapatos abertos atrás, com laço lateral e três alturas de salto, criados e popularizados por Maria Grazia Chiuri, e as botas de cowboy usadas no desfile, em pele ou galocha, bem como ténis e chinelos reinventados com o foco nas borboletas. Percorrendo este piso até ao fim, encontram-se os perfumes (apenas os da coleção Privée), que fazem a ligação para o pequeno jardim exterior, no terraço virado para a Praça da Alegria. Decorado com mobiliário e chapéus de sol Dior, azuis e brancos, serve de área onde pode ser servido aos clientes café ou champanhe, por exemplo, mas não inclui serviço formal de bar nem de restauração, como se pode encontrar em outras lojas Dior.

A escultura-instalação de Joana Vasconcelos, que serpenteia a escada, termina na secção de homem, no segundo andar
Jonathan Taylor

O mobiliário e a linha de artigos para casa Dior Maison, um dos segmentos de luxo que mais cresce durante e no pós-pandemia, não estão disponíveis em exposição, mas é possível fazer encomendas na loja a partir do catálogo. De fora encontram-se também outros produtos com uma estratégia de ponto de venda própria, como as linhas de criança, cosmética, maquilhagem e os perfumes que não sejam da coleção Privée. A oferta para homem, por seu lado, tem um piso inteiro dedicado à coleção Primavera 2024, desenvolvida por Kim Jones, diretor criativo e responsável pelas criações Dior Men. Aqui domina não só o pronto-a-vestir, como a alfaiataria com uma abordagem menos clássica e mais virada para os cortes e acabamentos modernos, e uma linha de gangas, além de acessórios, calçado e mochilas, entre outros.

A atenção ao público masculino acompanha outras das evidências no durante e no pós-pandemia, que é haver cada vez mais homens a comprar moda de marcas de luxo. Este nicho é cada vez menos nicho e é parte da crescente amplitude de perfis de clientes, seja pelo género, idade ou capacidade financeira. Sejam os muito ricos que compram sem limites de orçamento ou os remediados que poupam durante anos para comprar uma peça muito desejada. Estes últimos, no entanto, são os que agora estão a cortar nos gastos supérfluos, fazendo cair as vendas de algumas marcas de luxo. Entre elas não se encontra a Dior, que continua a apresentar crescimentos em todos os segmentos, intocada pela crise.

Carla Pereira, que já desfilou para a Dior, é vestida pela Dior na gala da GQ Men of the Year, onde ganha o prémio de Modelo do Ano

Já são algumas as novas lojas Dior a abrir no próximo ano, anunciadas em outras geografias, e esta marca francesa não é a única a apostar em espaços físicos. Mesmo que o digital continue a ser coadjuvante nas vendas nas lojas e vice-versa. Um estudo da consultora Bain&Company com a Altagamma, divulgado no final de novembro, antecipa para 2024 um crescimento de 7,5% do retalho físico de luxo, em relação a 2023, face aos 4,5% de aumento previsto para o retalho digital deste segmento. Isto denota o interesse das marcas na expansão através de lojas físicas, em detrimento do investimento no comércio eletrónico, depois do crescimento sem precedentes durante a pandemia que parecia que era para ficar.

Piores são os resultados deste estudo, que auscultou gestores de várias marcas de luxo globais e consultores, quando o que está em causa são as vendas através de terceiros. Em 2024, as vendas de marcas de luxo a lojas físicas multimarcas vão diminuir 1%, ou terão uma variação nula (0%) face a 2023, caso se trate de plataformas digitais intermediárias, como por exemplo a gigante Farfetch, que já está com as vendas em queda. A abertura desenfreada de lojas de luxo não é despropositada e acompanha o desejo dos consumidores por espaços comerciais, com uma experiência mais surpreendente do que a que tinham antes da vida em confinamento, atrás de um ecrã de computador. O mais importante? Uma atmosfera que cruze arte e entretenimento e serviços que transcendam a compra, que pode perfeitamente ser feita na Internet, como todos percebemos durante dois anos. A Dior pode não responder sobre o que anda a fazer, mas sabe bem o que anda a fazer.

Dior

Avenida da Liberdade, 85, Lisboa

De segunda-feira a sábado, das 10h e às 20h, e ao domingo das 12h às 20h

https://www.dior.com/en_pt

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: CNunes@expresso.impresa.pt

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