Opinião

O jogo psicológico de Moscovo

O jogo psicológico de Moscovo

Daniela Nunes

Investigadora no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica

A Rússia está a apostar numa nova forma de desgaste do Ocidente. É mais barata e silenciosa, mas igualmente perigosa: a guerra cognitiva

Nas últimas semanas, a escalada de incidentes militares e provocatórios protagonizados pelas Rússia junto às fronteiras da NATO voltou a colocar a Europa perante um dilema complexo: como reagir a gestos que não constituem em si mesmos uma guerra aberta, mas que carregam implicações profundas para a segurança coletiva da Aliança Atlântica?

A violação do espaço aéreo da Dinamarca, muito recentemente, denuncia um padrão estratégico russo muito mais amplo do que, como advogam alguns, um mero evento isolado ou um erro técnico. Este padrão tem vindo a manifestar-se por via de um conjunto de exercícios de provocação, cujo objetivo é testar a resiliência do Ocidente e sondar os limites da sua tolerância, medindo até que ponto a Rússia pode “esticar a corda” sem desencadear uma guerra formal. Por se tratar de um sintoma de padrão, o episódio dinamarquês sucede a outros parecidos, como a violação do espaço aéreo da Estónia e as incursões de drones na Polónia, que, embora não configurem atos de guerra convencional, funcionam como mecanismos de pressão indireta e sustentada sobre os aliados da NATO.

A lógica subjacente a esta abordagem encontra sólida fundamentação no conceito de guerra cognitiva, tal como exposto por Nataliya Bugayova no artigo “Russia’s War Is Also Cognitive da Foreign Policy de 1 de agosto de 2025. De acordo com Bugayova, a guerra cognitiva consiste num tipo de conflito em que o adversário é confrontado primariamente no domínio psicológico e percetivo, antes de ser desafiado no campo de batalha. Neste quadro, o objetivo estratégico da Rússia transcende a conquista territorial imediata: visa desgastar, cansar e potencialmente fragmentar as democracias ocidentais, mantendo um estado contínuo de tensão e obrigando os aliados a responder de forma repetitiva e coordenada.

A eficácia desta estratégia é amplificada pela natureza institucional das democracias ocidentais. Cada incidente provoca necessidade de deliberação, consenso e coordenação, muitas vezes num ritmo menos célere do que aquele que o sistema centralizado russo permite. Aqui não reina um homem só! Neste contexto, o cansaço das democracias emerge como uma arma estratégica: a repetição de provocações — seja através de violações de espaço aéreo, incursões de drones ou manobras navais próximas das fronteiras europeias — consome recursos, tempo e atenção, minando potencialmente a capacidade de resposta da NATO.

Perante isto, a resposta do Ocidente deve assentar em três pilares estratégicos. Em primeiro lugar, é imperativo reconhecer a existência desta guerra cognitiva, compreendendo que estes episódios não são meros acidentes ou iniciativas isoladas, mas componentes de uma estratégia deliberada de desgaste e influência. Em segundo lugar, é necessário reforçar a coesão: uma violação no espaço aéreo da Dinamarca ou da Estónia não é apenas um problema para Copenhaga ou Talin, mas um desafio coletivo que exige resposta homogénea de todos os aliados. Por fim, é crucial calibrar níveis de proporcionalidade e firmeza nas respostas. A passividade, ou a normalização destes gestos, constitui terreno fértil para que Moscovo continue a expandir a sua influência, podendo eventualmente consolidar domínio político e estratégico sem sequer disparar um tiro.

Este padrão de provocação revela ainda a dimensão mais ampla das ambições russas, que não se circunscrevem à Ucrânia. Os testes realizados em diferentes pontos da Europa — particularmente em regiões geográfica e/ou historicamente ligadas à Rússia — sugerem uma tentativa deliberada de sondar a vulnerabilidades da Aliança e de expandir uma esfera de influência russa por meios não convencionais, explorando a fragmentação potencial e a lentidão decisional do Ocidente.

Em última análise, o que está em causa é a capacidade do Ocidente de reconhecer e responder a uma guerra cognitiva, silenciosa, estratégica e contínua. A ausência de reação coordenada e firme permitiria que Moscovo normalizasse a provocação, convertendo-a em rotina, e adquirisse vantagem sem precisar de entrar em guerra aberta. O desafio para a NATO e para os aliados europeus consiste, portanto, em equilibrar prudência, coesão e firmeza, demonstrando que a agressão russa encontra resistência robusta em todos os níveis — militar, político e psicológico.

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