Pode ser sobre o reconhecimento da Palestina, mas podia ser sobre as sanções à Rússia, as relações com Trump ou outra coisa qualquer. Se estiverem de acordo com uma decisão que acreditam ser fundamental, os que recorrentemente exigem que a Europa seja mais forte e fale a uma só voz, satisfazem-se com as decisões que alguns Estados tomem, mesmo que assim fique exposta a fraqueza da União Europeia. Em nome da causa, se não se impõe a maioria a unidade europeia pode ceder.
Os Estados membros da União Europeia e os seus povos não estão dispostos a ser reféns da unanimidade, mas também não aceitam ter de ceder à maioria em questões de interesse nacional ou quando a sociedade exige uma intervenção do poder político. Podem aceitar que a Europa não faça nada, mas não aceitam que faça alguma coisa contra os seus interesses ou valores mais fundamentais. É por isso que a Europa com frequência é lenta, é dúbia ou é inconsequente. E com idêntica frequência, como hoje com a Palestina, se desagrega, uns decidem uma coisa, outros decidem outra, e a Europa decide nenhuma.
Os defensores da causa que não avança por causa da unanimidade, seja a Palestina, as alterações climáticas ou as sanções à Rússia, rapidamente defendem que se deve poder decidir por maioria. Ou, como agora, cada um decidir por si e a União Europeia não decidir nada. Sendo a causa justa, vale a maioria em vez da unanimidade, ou a representação nacional em vez da europeia, se for preciso. Obviamente, se a maioria for contrária à causa, já não se defende o fim da unanimidade ou as decisões unilaterais.
Os europeus, os eleitores e os Estados, querem que a Europa seja o que eles entendem que deve ser. Por maioria ou por unanimidade, tanto lhes faz, desde que seja a sua posição a prevalecer. Quando não é, obviamente defendem a solução contrária.
Falando de grandes temas e do que é fundamental para a existência dos Estados, o que se passou nos últimos anos com a Ucrânia é a excepção. A agressão russa foi percebida da mesma forma pela maioria dos europeus em praticamente todos os Estados membros da União Europeia. Dos estónios, letões e lituanos, que acreditam que estão a seguir na lista, aos portugueses, que não temem uma invasão mas perceberam o risco para como vivemos, a maioria dos europeus identificou o mesmo problema e apoiou a mesma resposta.
Perante a dificuldade em chegar a posições comuns, ou aceitar cedências em temas de soberania, os federalistas (e os entusiastas de cada causa à vez), defendem as decisões por maioria. Mas o fim da unanimidade só resolve os impasses, não resolve as divergências. Sendo a União Europeia uma organização de onde se pode sair, se, em temas fundamentais, um Estado for forçado a aplicar sanções contra os seus interesses económicos, a reconhecer um Estado contra a opinião dos seus eleitores ou a aceitar acordos internacionais que os seus cidadãos acham que os prejudicam, obviamente sai. A ideia de que a Europa se terá de fazer contra a vontade dos Estados ou apesar da opinião dos eleitores é um mau princípio e, se seguida, um dia acabará mal.
Se a Europa das maiorias não é melhor que a Europa unânime, que não é consequente, qual é a solução? Não há. Por magia ou imposição, não há.
O que a guerra da Ucrânia mostrou, um pouco como na Pandemia, é que a Europa existe (na medida das suas possibilidades, mas essa ainda é outra conversa) quando os europeus olham para a realidade maioritariamente da mesma forma. E essa maioria tem que existir através da Europa. Cabe aos políticos europeus construírem essa percepção comum. Ou lidarem com a falta dela. Mais vale uma ou várias coligações de vontade, para defender a Ucrânia, reconhecer a Palestina ou outra coisa qualquer, do que a imposição da vontade ou vontade nenhuma. A Europa é isto. Por enquanto, é só isto.
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