Opinião

A nova guerra fria lançada por Elon Musk

A nova guerra fria lançada por Elon Musk

Pascal de Lima

Consultor de Estratégia e Gestão Empresarial 

A rivalidade entre os EUA e a China já se intensifica em torno das tecnologias de ponta, sobretudo na produção de semicondutores. Taiwan desempenha aqui um papel estratégico

Elon Musk acaba de lançar um projecto ambicioso: o Colossus AI e o Grok, o seu agente conversacional. Embora este projecto permaneça relativamente discreto por agora, poderá redefinir a ordem mundial — e Donald Trump parece estar plenamente consciente disso. O objectivo é revolucionar a inteligência artificial através de clusters de cálculo maciço, com 100.000 placas Nvidia H100 já integradas e a possibilidade de incorporar, futuramente, placas de nova geração como as H200. Assim, a Nvidia continua a ultrapassar os limites da computação com GPUs (unidades de processadores) cada vez mais potentes — verdadeiros sinónimos de supercomputadores.

O aspecto fascinante deste projecto reside na eventual utilização das baterias da Tesla para alimentar estes clusters, reduzindo a dependência da rede eléctrica tradicional, frequentemente mais lenta e vulnerável a sobrecargas. O objectivo final seria instalar esta monumental IA por detrás da plataforma X, conectada em tempo real aos milhões de utilizadores do Grok (assistente alimentado por IA). A potência de cálculo assim obtida poderia constituir uma vantagem estratégica de primeira ordem. Se este projecto atingir os seus objectivos, o Colossus poderá rivalizar — ou até superar — a OpenAI e a Microsoft. Musk poderia, em teoria, explorar estratégias de controlo parcial do mercado de aprovisionamento, nomeadamente de GPUs, mesmo que, actualmente, a Nvidia permaneça uma empresa independente ao serviço de múltiplos atores.


Estarão a OpenAI e o ChatGPT em risco?


É verdade que a OpenAI depende fortemente das infra-estruturas Azure da Microsoft, o que pode limitar a sua flexibilidade estratégica. Em contraposição, Elon Musk parece querer controlar toda a cadeia de valor: do fornecimento de hardware (com a Nvidia) à produção de energia (via Tesla), passando pelas plataformas de experimentação e implementação (com a X). Essa integração vertical conferiria ao seu projecto uma vantagem competitiva notável. Além disso, a arquitectura do Grok e a sua capacidade de aprendizagem rápida poderão proporcionar aos utilizadores um desempenho sem paralelo.

A ideia de uma concentração industrial, de barreiras à entrada e de estrangulamentos no fornecimento de hardware é hoje perfeitamente plausível. Ainda assim, importa manter alguma ponderação: mesmo que Musk obtenha prioridade na aquisição de placas da Nvidia, outros actores, como a Google ou a Amazon, também dispõem de recursos colossais para assegurar as suas próprias cadeias de fornecimento. E é aqui que entram Donald Trump e Taiwan.


Uma hegemonia tecnológica americana à vista?


Os avanços tecnológicos norte-americanos, combinados com o apoio de figuras políticas influentes como Donald Trump, poderão reforçar a posição dominante dos Estados Unidos na corrida global pela inteligência artificial. A China, por sua vez, permanece um concorrente de peso, com capacidades de investimento impressionantes e uma ambição geopolítica clara. A rivalidade entre os EUA e a China já se intensifica em torno das tecnologias de ponta, sobretudo na produção de semicondutores. Taiwan desempenha aqui um papel estratégico.

A TSMC, líder mundial no fabrico de semicondutores, está no centro deste confronto. O controlo de Taiwan garantiria o acesso a recursos críticos para a IA. Tanto a China como os Estados Unidos compreendem plenamente a importância geopolítica da ilha. O futuro da dominação tecnológica poderá depender da estabilidade desta região. A comparação com a guerra fria dos anos 1980 é, por isso, pertinente: se outrora o conflito era ideológico e militar, hoje a nova guerra fria é digital, económica e tecnológica.


IA: oportunidade ou ameaça para a humanidade?


A inteligência artificial poderá tornar-se no cérebro colectivo mais avançado alguma vez concebido pela humanidade. No entanto, tal como sucedeu com o desenvolvimento da energia nuclear no século XX, a IA levanta questões éticas e geopolíticas fundamentais. Como garantir que este poder permanece ao serviço do bem comum?

A concentração de recursos e capacidades nas mãos de algumas grandes empresas ou Estados, poderá gerar desequilíbrios profundos. A ascensão dos “neurónios artificiais” faz lembrar a corrida à energia nuclear, ainda que a IA se baseie, em teoria, numa infra-estrutura mais acessível e descentralizada. No entanto, já se delineiam blocos geopolíticos distintos: EUA/Europa de um lado, China/Rússia/Coreia do Norte do outro.

A verdadeira interrogação é esta: os gigantes tecnológicos — como a OpenAI ou os GAFAM (gigantes da tecnologia)— ultrapassarão um dia o poder dos próprios Estados para se tornarem entidades supranacionais?

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate