Opinião

A banca ganhou no Direito, mas a ética não prescreve

A banca ganhou no Direito, mas a ética não prescreve

Nuno Correia da Silva

Jurista, gestor e ex-deputado do CDS

Os responsáveis pelos principais bancos mostraram-se completamente destituídos de princípios, de respeito pelas pessoas, pelas empresas e pelo país. Mantêm o estatuto de idoneidade atribuído pelo Banco de Portugal?

O Tribunal Constitucional confirmou a prescrição das coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência aos Bancos que, entre 2002 e 2013, agiram concertadamente na troca de informações comerciais sensíveis, nomeadamente spreads aplicados a operações de crédito, volume, e respectivas maturidades, desvirtuando, ou mesmo destruindo, a concorrência no sector financeiro.

Agiram em modo de Cartel, o “vírus” que destrói a economia de mercado.

A prática configura uma ilegalidade evidente, confirmada a 20 de setembro de 2024. Nesta data, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS) confirmou as coimas de €225 milhões aplicadas pela Autoridade da Concorrência. A juíza Mariana Gomes Machado considerou a infração “muito grave” e destacou que os bancos não apresentaram sentido crítico perante a sua conduta, prejudicando os consumidores.

Há uma pronúncia judicial que confirma a cartelização feita pela banca, não se trata apenas de suspeitas, mas de factos que em juízo constituíram prova suficiente para sustentar a sansão da Autoridade da Concorrência. A prescrição da coima é a parte menos relevante deste caso.

Foi provado, em audiência e julgamento, que durante mais de 10 anos o mercado financeiro esteve viciado. Viciado como os dados de uma mesa de poker, viciado como se vicía um qualquer jogo em que as equipas combinam o resultado.

Por uma qualquer razão, que ainda carece de melhor justificação, a juíza decidiu enviar o processo para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), alegou ter dúvidas sobre a qualificação jurídica dos factos. Pediu urgência, mas o TJUE demorou mais de dois anos a pronunciar-se. Confirmou a existência de conduta dolosa por parte da banca, mas, passaram 2 anos, e a banca recorreu para o Tribunal da Relação, alegando prescrição.

Ignorando o princípio da efectividade do Direito Europeu e, com respaldo numa má transposição de uma Directiva europeia, o tribunal optou por dar razão aos bancos e decidir pela prescrição.

O maior prejudicado foi a economia, ficou ferida na sua competitividade externa porque um dos principais factores de produção, o capital, estava controlado por um oligopólio, o da banca portuguesa.

O Direito tem regras próprias, regras que configuram um processo com procedimentos e prazos específicos. Neste caso parece que foram feitas por “alfaiate”, sobretudo a transposição distorcida da directiva que determina que o recurso para o TJUE suspende o prazo de prescrição. Mas, mesmo aceitando que se aplicou o Direito certo e esse Direito libertou a banca de pagar uma contraordenação de 225 Milhões (CGD: 82 Milhões, BCP: 60 Milhões, Santander: 33 Milhões, BPI: 30 Milhões), há uma questão que vem antes do Direito, é a ética.

Em matéria de ética os responsáveis pelos principais bancos mostraram-se completamente destituídos de princípios, de respeito pelas pessoas, pelas empresas e pelo país.

A contraordenação de 225 milhões representava apenas uma sansão administrativa, está muito longe de reparar os danos causados pela cartelização. O somatório dos pedidos das acções populares que ainda correm no Tribunal da Concorrência, interpostas por consumidores e empresas, atinge os seis mil milhões de euros.

O efeito da cartelização foi severo para Portugal. Os seus autores estão identificados, têm nome e domicílio, podem ter beneficiado da prescrição para passar ao lado das responsabilidades, mas a conduta não pode ser indiferente para a entidade reguladora, o Banco de Portugal.

Há, por isso, uma pergunta que se impõe: Os responsáveis pela cartelização, Presidentes e Administradores de Bancos nesse período, mantêm o estatuto de idoneidade atribuído pelo Banco de Portugal?

O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras prevê que os membros dos órgãos de administração ou fiscalização de instituições de crédito (bancos) e sociedades financeiras têm de satisfazer requisitos de idoneidade, ou seja: adequação profissional, qualificação e disponibilidade. É um requisito de garantia, para que quem dirige ou supervisiona instituições financeiras exerça uma gestão prudente, capaz de proteger os depositantes, clientes e a estabilidade do sistema financeiro.

Até agora, o Banco de Portugal tem estado num silêncio extremamente desconfortável sobre este tema, mas há uma resposta que tem de dar, vai reconhecer idoneidade futura aos responsáveis envolvidos no cartel da Banca?

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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