Opinião

A eletrificação está a meio caminho, urge a coragem para acelerar

A eletrificação está a meio caminho, urge a coragem para acelerar

Pedro Amaral Jorge

CEO da APREN, Associação Portuguesa de Energias Renováveis

A Europa e Portugal têm a tecnologia, o conhecimento e a urgência. Mas eletrificar exige coragem política, visão fiscal e estruturas de mercado justas

De acordo com a análise mais recente da Florence School of Regulation (FSR), a taxa de eletrificação do consumo final de energia na União Europeia estagnou nos 33% há mais de uma década. Ou seja, embora exista mais energia renovável na rede, ainda usamos muito poucos quilowatts verdes para fazer funcionar fábricas, aquecer edifícios ou abastecer veículos.

No seu artigo “Electrification: where are we?”, a FSR alerta para um paradoxo europeu: tecnologicamente estamos prontos, mas economicamente, fiscalmente e politicamente não avançamos ao ritmo necessário, não existindo os incentivos certos nem a coerência fiscal.

Este paradoxo abarca Portugal. O país tem muito a ganhar com uma eletrificação mais ambiciosa. O mix elétrico nacional é maioritariamente renovável, com cerca de 80% da produção anual proveniente de fontes limpas e sem emissões de CO2. No entanto, os preços da eletricidade podem ser altamente influenciados pelos preços do gás natural e pelas tarifas de acesso à Rede Elétrica de Serviço Público (RESP). Com base nas lições da FSR e na experiência europeia, há cinco medidas que Portugal pode aplicar para acelerar esta transição.

A primeira passa por reformar a fiscalidade da energia, reduzindo ou reestruturando as taxas sobre eletricidade verde para usos industriais e residenciais que substituam combustíveis fósseis, e alinhando a fiscalidade com o conteúdo carbónico e não com a forma de energia.

Em segundo lugar, o Estado pode criar PPAs (Power Purchase Agreement) públicos para descarbonização industrial, intermediando ou garantindo contratos de eletricidade limpa para setores difíceis de descarbonizar, assegurando a viabilidade financeira das PMEs e incluindo cláusulas de preço previsível por 10 a 15 anos.

A terceira medida propõe a definição de metas nacionais para a eletrificação da indústria e edifícios, tal como existem metas de energia renovável, estabelecendo objetivos vinculativos para setores-chave como a cerâmica, têxtil, alimentação ou transportes pesados.

A quarta medida consiste em canalizar fundos do PRR e do Fundo Ambiental para projetos de eletrificação, substituindo fogões, caldeiras e motores a combustíveis fósseis em edifícios públicos e pequenas empresas com apoio direto e simples, e financiando estudos de viabilidade elétrica para clusters industriais.

Por fim, propõe-se a criação de mercados locais de flexibilidade, permitindo que consumidores industriais e residenciais sejam pagos por deslocar consumo para fora das horas de ponta, integrando tecnologias como armazenamento, veículos elétricos e controlo digital.

Conclui-se, assim, que a Europa e Portugal têm a tecnologia, o conhecimento e a urgência. Mas eletrificar exige coragem política, visão fiscal e estruturas de mercado justas.

A fundação está lançada. Agora, como em qualquer edifício, é preciso levantar paredes, instalar sistemas e fazer acontecer. Porque a eletrificação não é apenas um caminho para o net zero — é a coluna vertebral de uma nova economia europeia.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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