Opinião

Da ciência à economia: o desafio que Portugal precisa de vencer

Da ciência à economia: o desafio que Portugal precisa de vencer

Gustavo Dias

Professor da Escola de Engenharia da Universidade do Minho

Temos talento, conhecimento e investimento em ciência, mas ainda falhamos na transformação em inovação com valor económico. A nova agência AI² só terá impacto com uma mudança profunda de cultura e execução

Portugal continua a investir significativamente em ciência, tecnologia e inovação. O European Innovation Scoreboard (EIS) 2025 confirma que o nosso país permanece "Moderate Innovator", com uma performance de 90,7% da média da UE, ocupando o 16.º lugar entre os 27 Estados-membros.

O Relatório Nacional de Inovação 2024 da ANI também revela as fragilidades estruturais persistentes, embora reconheça a evolução positiva de Portugal em áreas como despesa em I&D (+40% entre 2020 e 2023) e os diplomados em defesa e segurança (+77%). A percentagem de empresas com atividades de inovação aumentou para 44,7%, mas longe dos níveis dos países líderes. E, mais preocupante, a inovação de processo supera a de produto, o que sugere uma aposta na eficiência interna em detrimento da criação de novos bens e serviços com valor económico.

A criação da nova Agência para a Investigação e Inovação (AI²), fundindo a FCT e a ANI, poderá ser uma oportunidade histórica — se vier acompanhada de uma mudança profunda de cultura, de práticas e de prioridades. Mais do que uma fusão administrativa, tem o potencial de resolver um problema crónico do sistema português: a fragmentação entre a produção de conhecimento e a sua aplicação económica.

Como garantir que a AI² seja eficaz?

i) Missão clara e mensurável Transformar conhecimento em valor económico e social, com metas concretas como patentes licenciadas, startups criadas e que escalaram, tecnologias transferidas, produtos lançados no mercado e projetos consolidados.

ii) Estrutura de governação independente Um conselho estratégico misto — com representantes da academia, indústria, setor público, sociedade civil e investidores — deve definir prioridades plurianuais, avaliar resultados e não depender de ciclos políticos.

iii) Mecanismos de financiamento fiáveis para garantir o metabolismo basal científico – O sistema requer financiamento estável para laboratórios, equipas e infraestruturas, para não perder massa crítica e para gerar inovação mesmo em ciclos adversos.

iv) Integrar ciclos de financiamento Permitir que um projeto de investigação fundamental evolua para protótipo, piloto industrial e finalmente produto comercial, sem ruturas e com acompanhamento contínuo.

v) Promover ecossistemas de inovação regionais e temáticos Fomentar hubs colaborativos em áreas como saúde, energia, mobilidade, aeroespacial e defesa, ligando universidades, centros tecnológicos, empresas, municípios, parques de ciência e tecnologia, laboratórios colaborativos e Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional.

vi) Desburocratizar e digitalizar processos Capacidade de simplificar candidaturas, acelerar decisões e monitorizar resultados em tempo real, com tecnologia para servir investigadores e empreendedores (e não os afogar em burocracia).

vii) Medir impacto, não apenas execução A avaliação dos programas deve ir além da taxa de execução financeira, medindo o impacto real na economia, na sociedade e na competitividade internacional.

O EIS 2025 evidencia ainda que países como Irlanda, Estónia e Croácia melhoraram a performance graças a políticas orientadas para a adoção de tecnologias digitais (como cloud computing), ganhos em produtividade ambiental (CO₂) e estímulos à colaboração entre PME. Em contraste, Portugal destaca-se na aprendizagem ao longo da vida e nos novos doutorados, mas falha em áreas críticas como patentes, exportação de alta tecnologia e articulação entre empresas inovadoras.

A criação da AI² representa uma oportunidade estratégica para corrigir este desvio. A sua eficácia dependerá da capacidade em integrar políticas científicas e tecnológicas, alinhar incentivos à inovação e garantir continuidade entre investigação fundamental e aplicação económica. Além disso, Portugal centra-se nas micro e pequenas empresas, ignorando empresas de média dimensão (Mid-Caps) como motores de escala, internacionalização e absorção tecnológica. Sem políticas claras de apoio à transição para Mid-Caps, o ecossistema de inovação permanece limitado para gerar impacto sustentado.

Um exemplo inspirador vem da agência Enterprise Ireland: combina apoio à investigação aplicada, financiamento à inovação empresarial e promoção da internacionalização. A Irlanda posiciona-se agora como um dos países mais dinâmicos na inovação. Este modelo destaca-se pela capacidade de alinhar políticas públicas com estratégias empresariais. Portugal pode aprender com esta experiência, pois dispõe de conhecimento, talento e financiamento. Falta agora capacidade de execução, visão sistémica e compromisso político de longo prazo. O tempo das reformas cosméticas terminou. É imperativo agir com ambição.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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