Opinião

A impotência comercial europeia

A impotência comercial europeia

Henrique Burnay

Consultor em Assuntos Europeus

Se a Europa fosse mesmo o poder comercial que costuma dizer que é, teria feito frente a Trump e as suas “tarifas”. A menos que esteja em causa trocar “tarifas” por atenção americana

Mário Draghi, que fez um relatório sobre a competitividade da Europa, entregue a Úrsula von Der Leyen há quase um ano, não tem estado calado desde então. Sexta-feira passada foi a Rimini dizer que a Europa afinal não é uma potência comercial: “Durante anos, a União Europeia acreditou que o seu peso económico, com 450 milhões de consumidores, lhe conferia poder geopolítico e influência nas relações comerciais internacionais. Este ano será lembrado como aquele em que essa ilusão se evaporou”. Brutal. E cheio de razão.

A União Europeia sempre apresentou o seu mercado de interno como uma das suas principais virtudes para os europeus e como a sua grande mais-valia para os países terceiros. Mas para isso tinha de ter sido, ou poder ser, capaz de usar essa força nas negociações comerciais mais difíceis dos últimos anos: com os Estados Unidos da América. Não foi. Ou se foi, esse poder afinal não é assim tão grande.

A União Europeia não tem Forças Armadas (nem terá num horizonte vislumbrável, felizmente); tem uma moeda única que não é a única moeda na Europa e que tem peso global, mas não compete verdadeiramente com o dólar; não tem decisões por maioria na política externa (e tão depressa isso não deverá mudar, felizmente); não é a economia mais competitiva do mundo (nem está encaminhada para ser); e, de um modo geral, não é um poder global temido, mesmo que seja reconhecido em diversas geografias. Mas no comércio internacional sempre teve, de facto, peso. Como a própria Comissão Europeia diz no seu site, a UE é o maior exportador de bens manufaturados e serviços, e o maior mercado de importação para mais de 100 países”. “O que fortalece a sua posição global”, conclui a Comissão Europeia. Pois se assim é, nas negociações com os Estados Unidos não se notou essa fortaleza. A menos que a explicação possa ser outra.

Entre a Cimeira da Nato, onde a Europa conseguiu que se mencionasse a Ucrânia e o Artigo 5º da NATO, e o encontro em Washington, em que os europeus puderam fazer de guarda-costas a Zelensky e recordar aos americanos algumas preocupações europeias, Von der Leyen e Trump acordaram o fim (definitivo ou provisório, se verá) da guerra das tarifas, com a Europa a aceitar uma imposição americana sem margem de retaliação. Porquê?

Se o acesso ao mercado europeu é tão importante e desejado como se supõe, temendo retaliações e consequentes limitações no acesso, seria de esperar que os Estados Unidos pensassem duas vezes antes de imporem “tarifas” absurdas aos europeus. Mas não foi isso que aconteceu. Começaram por impor umas taxas muito muito altas, e acabaram por afinal só impor uma taxa muito alta. O que deixou alguns europeus contentes. Sobretudo os que conseguiram que os seus produtos ficassem de fora, como a cortiça. Mas não houve ameaças europeias nem grande força negocial. Porquê?

Será a falta de acordo entre os Estados membros que enfraquece a posição europeia? Numa negociação tão importante para cada um dos mercados europeus, cada um puxou por si e todos ficaram a perder um pouco? Será que a Administração americana tem mais poder para impor às suas empresas as consequências das tarifas no custo das importações e das exportações do que os governos europeus e a União Europeia? E que, além do nosso mercado eventualmente não ser tão grande e imponente como imaginamos, não o sabemos usar nas negociações? Ou será que os europeus precisam demasiado da América de Trump para manter o apoio à Ucrânia e impor temor a Moscovo, e para manter a administração americana do nosso lado, estivemos disponíveis para ceder em tudo? Todas estas explicações parecem ter contribuído para o resultado final E há ainda outra: o tempo da Europa não é compatível com o tempo das relações de poder internacionais.

Enquanto se preparava para receber o primeiro-ministro do Canadá em Berlim, Merz dizia que a Europa precisa de fazer outros acordos comerciais, até para compensar o que ficou negociado com os Estados Unidos. Acontece que a Europa assinou um acordo comercial com o Canadá há nove anos (em 2016) que não está completamente em vigor porque dez Estados membros da União Europeia ainda não o ratificaram. Assim fica difícil ser uma potência.

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