Dez anos depois do Acordo de Paris e no ano em que se assinala o 80.º aniversário da Carta das Nações Unidas, os tempos exigem um verdadeiro rasgo de coragem internacional para salvar o multilateralismo - a ideia de que os grandes desafios mundiais só podem ser enfrentados através de uma cooperação global estruturada, e não por ações isoladas. As tragédias humanitárias acumulam-se numa lista de espera sem fim à vista, lembrando-nos diariamente a urgência dessa coragem colectiva.
Contudo, a preparação da COP30, a Conferência das Partes no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC) - que decorre de 10 a 21 de novembro de 2025, em Belém do Pará, no Brasil - tem dado sinais contrários: passos em falso que fazem perigar uma mudança que se desejava como marco de viragem, num mundo onde o direito internacional desmorona.
O Observatório do Clima, a principal rede da sociedade civil brasileira com intervenção na agenda climática, que integra 133 membros entre organizações ambientalistas, institutos de investigação e movimentos sociais, denunciou, em comunicado de 12 de agosto, a grave situação que se vive quanto à capacidade de alojamento das delegações na cidade de Belém.
Os preços praticados e a especulação em torno da oferta destinada aos participantes da COP30 suscitam sérias preocupações. A escalada de preços e a escassez de camas disponíveis ameaçam reduzir significativamente o número de intervenientes. A presença será condicionada pelo poder económico de cada delegação, o que poderá excluir países com menos recursos financeiros e limitar a representação da sociedade civil.
A Presidência da COP30, por seu turno, através de uma carta tornada pública na mesma data, sublinhou que a crise climática exige respostas urgentes às necessidades e expectativas das populações. Mitigação, adaptação, financiamento, tecnologia e capacitação são pilares fundamentais, mas só terão impacto real se forem acompanhados por uma acção firme contra as desigualdades estruturais, pela erradicação da fome e pelo combate à pobreza. Promover o desenvolvimento sustentável, os direitos humanos e a igualdade é inseparável da acção climática.
A mensagem, embora empolgante e positiva, permanece no plano da retórica. No atual contexto global, palavras e discursos já não bastam. É preciso ação. É necessário fazer para crer.
Mas enquanto as tragédias humanitárias no panorama internacional seguem uma progressão alarmante, o processo de preparação da COP30 acumula percalços sucessivos.
A sexta carta publicada pela Presidência da COP30, desde o início dos trabalhos preparatórios, antecipa um caminho difícil para o evento em Belém. O alerta é claro: “Ao cruzarmos a marca dos 100 dias antes da COP30, cerca de quatro quintos (4/5) dos membros do Acordo de Paris ainda não apresentaram novas NDCs para 2035”.
Ora, as NDCs são os compromissos essenciais que cada país precisa assumir para reduzir suas emissões de gases do efeito estufa até 2035.
Por outro lado, as notícias sobre delegações reduzidas começam a circular. A organização da delegação oficial chinesa à COP30 definiu que será composta por cerca de 100 representantes, oriundos de diferentes ministérios, liderados pelo Ministério do Meio Ambiente, conforme reportado pela imprensa brasileira a 20 de agosto de 2025. Esse número representa uma redução significativa face aos 190 membros presentes na COP29, em Baku, e aos 219 da COP28, em Dubai.
A China, sendo o maior emissor mundial de gases com efeito de estufa, não esclareceu os motivos dessa diminuição; a escala da delegação pode refletir uma mudança de postura, uma estratégia diplomática ou, simplesmente, uma resposta às dificuldades logísticas que têm marcado os preparativos da COP30.
Uma coisa é certa: a coragem das lideranças e a união da comunidade internacional são a única saída possível - mas os sinais não são encorajadores. Podemos continuar a enterrar a cabeça na areia, mas o futuro acabará por expor o erro que hoje estamos a alimentar.
E já estamos a viver as consequências. As ondas de calor extremas que assolam o sul da Europa não dão tréguas às equipas de combate aos incêndios, enquanto a vida nas cidades se transforma numa ameaça real à saúde pública. O impacto é especialmente severo entre idosos e pessoas com fragilidades. Em Portugal, os sucessivos alertas de calor têm sido acompanhados por um aumento de óbitos entre pessoas com 85 ou mais anos. Dados preliminares da Direção-Geral da Saúde confirmam esta tendência e evidenciam o peso das temperaturas extremas nas faixas etárias mais expostas.
Ao mesmo tempo, o multilateralismo enfrenta um dos maiores ataques desde a criação das Nações Unidas. O negacionismo climático de Donald Trump abalou a ordem internacional, com a saída dos EUA do Acordo de Paris e o corte abrupto do financiamento à USAID, a agência norte-americana de ajuda humanitária. Estes cortes estão a encerrar projectos em várias regiões, deixando milhares de pessoas sem apoio alimentar, cuidados básicos e ajuda comunitária.
Estamos a três meses da COP30. Esta conferência exige um compromisso firme e inequívoco de todos os Estados Partes. É o momento de inverter a lógica das anteriores, onde o justo financiamento climático e a responsabilização dos maiores emissores foram sempre adiados para a conferência seguinte.
A COP30 não pode repetir esse padrão. É tempo de assumir responsabilidades, garantir justiça climática e transformar compromissos em acção. O mundo não aguenta mais promessas adiadas.
Restam três meses para provar que o multilateralismo ainda respira.
A autora escreve segundo o antigo acordo ortográfico.