O novo papel da América
A América prefere ser um mediador forte a ser um aliado de confiança. A Europa fica obrigada a crescer para se defender. Traços de uma nova ordem internacional
Consultor em Assuntos Europeus
A América prefere ser um mediador forte a ser um aliado de confiança. A Europa fica obrigada a crescer para se defender. Traços de uma nova ordem internacional
A maior dúvida de Zelensky e dos europeus é saber qual o papel dos Estados Unidos da América nisto tudo. E que consequências tirar daí.
Os americanos ainda são líderes do Ocidente e defensores dos seus aliados, forçando a Rússia a parar a guerra? São amigos de Putin e da Rússia, ou pelo menos de um mundo de potências que passa a incluir a Rússia, dispostos a trair Kiev e a Europa? Ou são uma potência Imperial que impõe a ordem, incluindo a paz, a terceiros? O que é esta América? E o que é que isso significa para os europeus?
Olhando para o encontro com Putin, em Anchorange, e com Zelensky e os seus amigos europeus, em Washington, Trump parece estar decidido a ser um mediador participante e impositivo. Ouve as duas partes e acredita que, contas feitas, lhes pode impor os termos da paz, conforme a força que cada um tenha e não a justeza da sua causa ou proximidade com a América, estando disponível para depois a garantir, vagamente e na medida em que sabe que a garantia americana é a condicionante mais efectiva para haver acordo. Se assim for, e parece ser, esta América não tem nada que ver com a América das últimas décadas. Não lidera o Ocidente nem é a capital do Mundo Livre. É uma potência interessada em rever a ordem internacional, preocupada em aceder aos recursos naturais que vão importar nas próximas décadas, e em impor as suas regras, incluindo a paz e a ordem, a terceiros.
Ainda sendo tudo muito puco claro, há algumas ideias que se podem ir formando.
A Europa não ganha nada em afastar os Estados Unidos ou em afastar-se. Mas não pode fazer de conta que os Estados Unidos não se afastaram. Ou que se interessam como dantes pela sua segurança. O que implica criar condições próprias de segurança, sem alienar a América. E os americanos. As relações para lá da Administração são fundamentais para manter uma relação transatlântica mais forte do que a que se está a gerar.
Os EUA de Trump preferem ser uma potência imperial, que impõe uma nova ordem, a serem os líderes do Ocidente e do Mundo Livre. Isso explica o afastamento da Europa e os termos da relação com a Rússia. E com a China.
A cimeira ter acontecido em Anchorage tem explicações logísticas óbvias. Mas também recorda que a América olha para Leste quando olha para a China. Visto do Alasca, como Sara Pallin em tempos explicou, quase se vê a Rússia. Mas está-se de costas para a Europa. E de frente para a China.
As maiores garantias americanas de segurança que os Estados Unidos podem dar à Ucrânia é o seu interesse – leia-se disponibilidade para investir – nos recursos naturais ucranianos. Sendo que, como Trump recordou, a Rússia também os tem.
A esse propósito, os europeus devem estra finalmente a perceber que uma transição energética implica ter acessos a recursos naturais que a Europa não tem. E sobre os quais não pensou quando acelerou a transição Verde. E a verdadeira transição digital, a da Inteligência Artificial, na medida em que consumirá muito mais energia e muito mais chips, agrava o problema dessas dependências.
A China quis a guerra da Ucrânia, até porque o sucesso que a Rússia tenha, mesmo que seja limitado, pode determinar que quem invade fica com o que conquistou. A Lei do mais forte pode lhe ser muito conveniente em Taiwan. Mas a China não estará ainda preparada para esta nova Ordem. Ainda confia na globalização e no comércio internacional para expandir a sua economia, e ainda não se preparou para ter a força militar proporcional à sua força económica. Já a Rússia, cujo poder militar é claramente superior à força da sua economia, é uma potencial beneficiária desta revisão da ordem internacional.
A Europa está longe de ter estatuto de potência. Mas também não é a impotência que alguns insistem em retratar. Tem as limitações de serem 27 Estados membros na União Europeia, que nem sequer incluem o Reino Unido, e de não ter capacidade nem vontade militar. Mas ontem, em Washington, a Europa fez o que podia e devia fazer: defendeu Zelensky de Trump e disponibilizou-se para continuar a defender a Ucrânia de Putin. Tem mais de 400 milhões de habitantes, ricos, por comparação com o resto do mundo, uma economia que é menos que a China ou os Estados Unidos, mas é mais que tudo o resto e algum poder de atração. E agora, o que fazer com esta nova circunstância?
É difícil adivinhar o que aí vem, mas é possível reconhecer o que já lá vai. E o que isso pode significar para nós, portugueses e europeus.
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