Em Os Mauzões 2 (Pierre Perifel, 2025), baseado na série de banda desenhada do autor australiano Aaron Blabey, a DreamWorks Animation oferece mais do que um filme para toda a família; evoca, talvez involuntariamente, uma parábola para os nossos tempos. Depois de ver o filme com o meu filho de nove anos, estou convencido: não se trata de crime no sentido convencional, nem de redenção no sentido moralista. O que se desenrola no ecrã é uma alegoria condensada do extrativismo, um roubo cujo objeto é tudo, cujos fins são vazios e cujo método é a devastação planetária que resulta do comportamento extrativista da classe bilionária.
A leopardo-das-neves Kitty Kat e os seus cúmplices (Doom e Pigtail) esforçam-se por roubar todo o ouro da Terra utilizando MacGuffinite, um íman especial que atrai ouro e que está instalado numa estação espacial em órbita do nosso planeta. Para tal, Kitty Kat coage os Mauzões (o Lobo e os seus amigos) a ajudarem a roubar o foguetão MOON X, propriedade do bilionário Mr. Moon, uma paródia velada de Elon Musk.
Embora este roubo sem propósito seja apresentado como um equivalente ao roubo de automóveis pelo Lobo e os seus amigos no início do filme, também realizado sem motivo específico, a pirataria planetária de Kitty Kat é diferente. O seu objetivo é a acumulação — de poder em prol de mais poder. Não tem um fim inerente. (O ouro, uma vez apreendido, orbitará inutilmente no espaço. Neste sentido, é indistinguível de MacGaffinite, uma referência a Alfred Hitchcock — e a Angus MacPhail antes dele — que cunhou e usou o termo MacGaffine para se referir a um objeto, dispositivo ou acontecimento necessário ao enredo e à motivação das personagens, mas insignificante, sem importância ou irrelevante em si mesmo.) Valoriza um espetáculo acima de qualquer outra justificação. E causa danos irreparáveis que vão para além da mera alienação ilícita de bens.
A acumulação é a cristalização de um impulso violento, que procura transformar a vida fluida em propriedade imobilizada. Quando esta propriedade é ouro — talvez a substância mais mitificada na história do desejo humano —, o ato assume uma dimensão quase teológica. Pois, em Os Mauzões 2, a busca do vilão por ouro tem pouco a ver com ganância no sentido vulgar. Em vez disso, é motivada por uma ambição ontológica: possuir aquilo que resiste ao tempo, aquilo que não enferruja, não se deteriora nem morre. O ouro torna-se o ícone da imortalidade e do próprio ser, concentrado nas mãos (na verdade, nas patas) de poucos. Mas isso tem um custo. Este custo, sugere o filme, ainda que apenas obliquamente, é ecológico.
Atraído para a órbita da Terra, o ouro deixa para trás ruínas maciças — do ar, dos edifícios, dos corpos das pessoas, de confiança social. Mesmo na sua forma animada, vislumbramos os contornos de uma violência lenta acelerada para o olhar dos espetadores. Os ecossistemas destruídos, as atmosferas poluídas, os corpos de trabalhadores destroçados são necessários para tornar possível tal riqueza. O vilão bilionário não é uma figura isolada do mal. Ele (representado no filme por ela, a Kitty Kat) é a destilação de toda uma metafísica traduzida em econmía, cuja lógica reduz a vida a recursos e os recursos a capital.
A esta luz, o "assalto" do filme é uma alegoria do extrativismo. Kitty Kat e as suas companheiras não roubam apenas ouro. Encenam o gesto fundador e constantemente repetido da mundividência colonial-capitalista: retirar valor ao mundo, concentrá-lo noutro lugar (no alem cósmico, neste caso) e separá-lo das teias de relações que antes lhe davam significado. Eis, pois, uma longa-metragem animada sobre a metafísica da desapropriação capitalista e colonial à escala planetária.
Muito mais se poderia dizer sobre a animalização das personagens principais, que se misturam sem hesitação com os humanos, tais como, por exemplo, a comissária de polícia Misty Luggins. Porque é que quereriam carros velozes ou quantidades ilimitadas de ouro nunca fica claro. Mas o mundo deles em Os Mauzões 2 é também o nosso. É um mundo onde os bilionários "pensam" e roubam a escalas planetárias e cósmicas; contemplam a mineração de asteróides, investem em startups de viagens no tempo e no espaço — não para alimentar ou curar — mas para possuir, precisamente, o próprio espaço, tempo e possibilidade. O MacGuffinite torna-se uma metáfora para as criptomoedas, a colonização espacial, as reservas de créditos de carbono — ferramentas de extração não retribuída e não retribuível.
No final, Kitty Kat é presa; as suas colegas— Pigtail e Doom — prestam serviço comunitário; o Lobo e companhia infiltram-se numa agência secreta. Mas o filme não consegue desmantelar a lógica subjacente, segundo a qual o roubo, a extracção e a acumulação de valor planetário por nada é uma reivindicação legítima de poder. Como acontece frequentemente em Hollywood, o filme nomeia o problema e descreve as suas ramificações com uma clareza cristalina. Mas não desmonta dentro da sua narrativa as estruturas que tornam o problema catastrófico à escala global.
O que resta, então, é a tensão. O filme não tem uma visão de uma utopia para além da acumulação, mas aponta para a rutura em momentos de compaixão e amor. Não imagina um mundo em que o ouro não precise de ser extraído, mas indica o desastre associado com a escala planetária do extrativismo. Um pouco como Bertolt Brecht, que perguntou retoricamente: "O que é roubar um banco comparado a fundar um banco?", Os Mauzões 2 transmite que a verdadeira maldade não é um pequeno crime — é tentar apropriar-se do mundo, tendo-o transformado em recursos humanos e não humanos acumulados nas mãos de poucos.