Lei da imigração: fechar portas ao excesso ou à excelência?
Ao dificultar o reagrupamento familiar, Portugal arrisca perder talento qualificado e travar o progresso de setores como o tecnológico, essenciais à modernização económica
“Head of Talent Acquisition” da KWAN
Ao dificultar o reagrupamento familiar, Portugal arrisca perder talento qualificado e travar o progresso de setores como o tecnológico, essenciais à modernização económica
Em 2025, Portugal encontra-se perante um dos maiores fluxos migratórios da sua história recente. Estimam-se entre 1,5 e 1,7 milhões de imigrantes residentes, o que representa cerca de 16% da população. Este crescimento é resultado direto das políticas de imigração implementadas ao longo dos últimos anos, que apostaram na eliminação de quotas laborais, criação de novos vistos e flexibilização do reagrupamento familiar como formas de suprir a falta de mão-de-obra e mitigar o envelhecimento populacional. Esta estratégia, embora justificada por necessidades económicas evidentes, trouxe consigo novos desafios sociais, burocráticos e culturais que estão no momento à vista de todos.
Como forma de fazer face a esses desafios, a Assembleia da República aprovou no passado dia 16 de julho um conjunto de medidas que – entretanto chumbadas pelo Tribunal Constitucional – visam ajustar e tornar mais rigoroso o regime de entrada e permanência de estrangeiros em Portugal. Entre as alterações propostas, destacava-se o impacto sobre o reagrupamento familiar, que passaria a exigir que qualquer imigrante tivesse pelo menos dois anos de residência legal antes de poder trazer cônjuges, filhos maiores ou ascendentes diretos para o país. Apesar do chumbo destas medidas pelo Tribunal Constitucional, conhecendo o posicionamento político do Governo sobre esta matéria, acredito que a revisão da lei continuará a incluir limitações ao reagrupamento familiar, ainda que com eventuais ajustes formais para responder às exigências legais.
No setor tecnológico, onde trabalho, esta alteração levanta uma preocupação acrescida. Empresas como a que integro, liderando um departamento de recrutamento, contratam profissionais altamente qualificados, que desempenham um papel crucial na economia nacional, contribuindo para a atração de talento estrangeiro e para a criação de hubs tecnológicos que têm colocado Portugal no mapa da inovação. Muitos destes profissionais – Engenheiros de software, especialistas em cibersegurança, Engenheiros de Dados, Machine Learning Developers – escolhem Portugal não apenas pela qualidade de vida e pelo ecossistema tecnológico em expansão, mas também porque o país, até agora, lhes oferecia uma estabilidade familiar essencial para uma mudança definitiva.
Com a regra que imporia dois anos de residência legal antes de poderem trazer a família, o cenário altera-se de forma significativa. Para um profissional sénior, com opções de carreira noutros países onde a reunificação familiar é mais célere, Portugal torna-se uma escolha menos atrativa. Mesmo que a legislação seja revista, tudo indica que continuará a haver restrições, o que poderá afastar talento. A impossibilidade de garantir, desde o início, a presença das suas famílias pode levar muitos profissionais tecnológicos a rejeitar propostas de emprego, comprometendo diretamente a capacidade das empresas portuguesas em competirem num mercado global altamente disputado.
Na prática, isto significa que, ao tentar controlar o crescimento populacional e aliviar pressões sociais, o país arrisca-se a afetar negativamente setores estratégicos, como o tecnológico, que dependem de mão-de-obra especializada e têm sido fundamentais para diversificar e modernizar a economia nacional. O que está em causa não é apenas atrair trabalhadores, mas garantir que Portugal consegue reter talento qualificado, que valoriza não só a sua estabilidade profissional mas também a sua estabilidade familiar.
Se o objetivo destas novas políticas é, como o Governo afirma, promover uma imigração mais organizada e sustentável, então deve existir um regime diferenciado para profissionais altamente qualificados, que lhes permita trazer a família sem entraves e manter Portugal competitivo face a outros mercados europeus onde essa possibilidade existe desde o primeiro dia.
Portugal precisa encontrar este equilíbrio: gerir fluxos migratórios de forma responsável, sem afastar os profissionais que hoje sustentam setores estratégicos, como o tecnológico. A exigência de dois anos para o reagrupamento familiar pode aliviar pressões internas, mas, sem soluções adaptadas, arrisca comprometer a atratividade do país, a retenção de talento e, em última análise, o crescimento económico que estes trabalhadores impulsionam.
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