Opinião

Reformar o Estado? Qual a missão?

Reformar o Estado? Qual a missão?

Pedro Rino Vieira

Professor no ISEG e investigador do Centro de Investigação em Ciências Sociais e Sociologia

Não há reforma do Estado que resulte, sem haver uma reforma na cultura organizacional do Estado

Nos últimos dias ficámos a saber que o Estado vai iniciar um processo de revisão da despesa. Ora, como nenhum processo de revisão da despesa é efetivo sem um processo de reforma do Estado, no último Conselho de Ministros, arrancou a tão prometida Reforma do Estado. Foram ditas muitas palavras, a grande maioria foram as corretas. No entanto, não é certo que as mais necessárias tenham sido ditas.

Mais importante do que reestruturar e simplificar tudo no Estado, é ter uma correta definição de propósito ou de Missão do Estado. Pelo caminho, é crítico eliminar a falsa divisão entre gestão privada e gestão pública. A gestão é só uma, mesmo que cada sector tenha regras próprias.

As empresas são organizações com ativos financiados por terceiros, que são usados para criar valor para os acionistas. O Estado é uma organização com ativos financiados por terceiros, que são usados para criar valor para os cidadãos. Sucede, que quem financia o Estado é o mesmo cidadão. Esta circunstância confere uma dupla responsabilidade a todos os servidores públicos. Por um lado, é preciso que o foco seja no cidadão (tal como o foco das empresas é no cliente). Por outro, é preciso que os recursos sejam usados com a máxima eficiência e eficácia (em benefício do mesmo cidadão ou do acionista nas empresas privadas). A partir daqui a gestão da coisa pública deve ser igual à gestão da coisa privada, apesar dos objetivos serem diferentes.

Nenhuma Reforma do Estado será bem-sucedida se não assentar neste princípio basilar.

Há poucas semanas, ficámos a saber que o Hospital Pedro Hispano pediu à ANAC (Autoridade Nacional de Aviação Civil), em 2019, a certificação do seu heliporto para aeronaves de maior porte. A resposta veio em 2024, mas como a lei mudou, entretanto, o processo voltou ao início. Não é admissível, nem compreensível. O Estado serve para criar condições ótimas de operação às pessoas e à economia. Com estes tempos de resposta, não há pessoas nem economia que resistam.

Só é compreensível que este tipo de coisa ocorra, quando o foco não é o cidadão. Ao longo dos anos, o Estado focou-se em si mesmo, esquecendo a sua missão e função. Um Estado focado no cidadão tem a obsessão de responder rapidamente ao mesmo para o servir bem. Tem a obsessão em minimizar os prazos de resposta, independentemente de tudo o resto.

É certo que nos últimos 20 anos, um pouco mais, o conceito de Nova Gestão Pública tem feito o seu caminho. Mas como um fim em si mesmo e não como um meio para criar valor para o cidadão. Ferramentas como Balanced Scorecard (um modelo de gestão estratégica) tornaram-se comuns. É certo. Mas de forma tipicamente inútil. Quando bem aplicado, o Balanced Scorecard mostra-nos a relação causa efeito entre os vários passos necessários para criar valor para o cidadão. É uma ferramenta de gestão estratégica que permite monitorizar e avaliar o desempenho. Infelizmente, também tem sido uma ferramenta pobremente utilizada, como um fim em si mesmo.

Não há reforma do Estado que resulte sem haver uma reforma na cultura organizacional do Estado e na forma como é entendido e gerido. É pelas pessoas, que a reforma do Estado deve começar.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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