Opinião

Há ou não razões para o descontentamento dos Polícias?

Há ou não razões para o descontentamento dos Polícias?

Bruno Pereira

Presidente do Sindicato dos Oficiais de Polícia da PSP

A carreira na PSP é vista como tendo pouco futuro, já que se pede tanto dela e a retribuição é muito pequena quando se olha para outras carreiras da Administração Pública

Os Polícias da PSP têm razões para estar descontentes? Será que não fundamento sério para continuar a exigir uma mudança das políticas e decisões que zelam (pouco) pelo seu futuro, ainda para mais quando se multiplicam as vozes a alertar para a insustentabilidade da organização que se confronta com problemas sérios (i) no recrutamento e atractividade e (ii) na retenção de talentos, problema que tem visto constantes adiamentos, sobrevivendo à custa de um sequestro indevido daqueles que já ganharam, há muito, o direito de passar à pré-aposentação? Vejamos, através deste pequeno périplo, se é assim, e se no fim do dia a ideia e sentimento dos Polícias quanto a serem tratados como um parente pobre, não é efectivamente compreensível? Mas vamos a factos que, pensamos nós, ilustram várias, e pouco compreendidas, assimetrias.  

1. Regime de Cálculo de Pensão 

Os Polícias da PSP são diferenciados no regime legal que define as regras de cálculo para as pensões, quando comparados com a GNR, força que exerce, grosso modo, funções de segurança interna similares, com diferenças substanciais entre categorias equivalentes na ordem dos 300€ a 500€, depois de uma carreira contributiva plena. Ora, as fórmulas estão plasmadas no Decreto-Lei n.º 3/2017 de 6 de janeiro (para a GNR) e no Decreto-Lei n.º 4/2017 de 6 de janeiro (para a PSP) e reflectem um sistema iníquo de cálculo que diferencia, sem qualquer fundamento, os Polícias da PSP dos militares da GNR e das Forças Armadas. Tantas vezes os sucessivos Governos aproximaram regimes e soluções paritárias, e numa matéria tão importante quanto as pensões, decidiu, sem sentido e argumento, tratar diferentemente as Forças de Segurança. Não faz sentido algum a assimetria, sendo urgente e imperativo, à semelhança do que fazem muitos outros países da União Europeia, instituir um sistema de cálculo que beneficia os profissionais de carreiras tão desgastantes, penosas e arriscadas como estas. É neste sentido aliás que vai um relatório de 2020 da Comissão Europeia, ao qual nós já aludimos num artigo anterior1. É importante que se mantenha este regime, e que ambas as Forças sejam tratadas com equidade.  

2. Suplementos e horas extraordinárias

Por decisão pretérita, bastante controvertida, o Corpo da Guarda Prisional, passou a andar de mãos dadas com a PSP no que tange às tabelas e suplementos remuneratórias, havendo aqui como que uma espécie de materialidade equivalente ou similitude funcional, mesmo estando sob uma tutela diferenciada. O que não deixa de ser curioso, é que no melhor que a PSP tem, os Guardas Prisionais também têm, mas ao contrário, alguns dos benefícios que estes têm não vigoram na PSP, ficando os seus profissionais precludidos desse direito. Falamos, a título de exemplo, do pagamento de horas extra ou o suplemento de renda de casa para em compensação do dever de residência obrigatória – vide art.º 54.º do Estatuto da Guarda Prisional, Decreto-Lei n.º 3/2014 -, tal como tantos milhares de Polícias da PSP, num e noutro caso. Para não esquecer, e porque já o tínhamos referido num passado recente2, a atribuição [legítima] de um subsídio de insularidade aos Guardas Profissionais que fossem deslocados para as Regiões Autónomas, sem que isso fosse, reflexamente, alargado a todos os Polícias.  

Mas as diferenças não ficam por aqui, o próprio quadro de trabalhadores civis, à semelhança de outras carreiras especiais da Administração Pública – exemplo da carreira tributária e da PJ -, auferem uma percentagem adicional sobre o seu vencimento, e que podem ser 2 distintamente aplicados: o de risco para os que funcionários que trabalham nos estabelecimentos prisionais (Decreto-Lei n.º  75/2005 que altera o Decreto regulamentar n.º 38/82) cujo valor são 101.79€,  e o suplemento de ónus de função para os demais (Decreto-Lei n.º 204-A/2001)3 que pode variar entre 10% e 15% da remuneração base. A PSP defronta-se com uma carência enorme [também] no seu quadro civil, tendo imensa dificuldade em reter activos face à ausência de qualquer incremento ou benefício salarial por estarem a trabalhar numa carreira especial (como outrora já existiu e que, aliás, alguns ainda auferem por via da regra que de proibição de perda remuneratória a quem auferia antes da alteração). Talvez seja especial apenas de nome, pelo que não nos espantemos como é difícil recrutar civis para ocuparem lugares que, nos dias de hoje, são indevidamente ocupados pelos parcos recursos humanos policiais. 

3. Enquadramento e supervisão  

Numa altura em que a PSP é chamada mais uma vez a assumir novas e difíceis competências, herdando a fatia de leão no que ao controlo de fronteiras diz respeito (lembrar que 91% dos cidadãos estrangeiros extra-comunitários entram pelas fronteiras aéreas), acumulando o retorno coercivo de cidadãos irregulares, defronta-se com os mais baixos índices de supervisão que alguma vez sentiu, com o valor mais baixo de Oficiais de sempre, apenas 758, por comparação à GNR que conta, neste momento, com 903. Se juntarmos a eles o número de Chefes, equivalente à classe de Sargentos na GRN, então a decalage torna-se ainda maior, já que a PSP tem apenas 2103 Chefes nos seus quadros, enquanto que a segunda conta com 2354 Sargentos.  Torna-se difícil assegurar uma supervisão e acompanhamento presente, intenso e formativo, quando os ratios são os mais baixos que alguma vez vimos. 

4. Progressão de Índices  

Também aqui os profissionais da PSP são prejudicados, tendo alertado a tutela um sem número de vezes para a necessidade de corrigir uma desigualdade gritante entre PSP e GNR no que toca à progressão horizontal, i.e., a progressão de índices. Os profissionais da PSP, nos termos da Portaria n.º 9-A/2017, só podem transitar de 3 em 3 anos, enquanto que na GNR a progressão, por via da Portaria n.º 411/2019, é feita de 2 em 2 anos. Mais uma diferença que não se entende e que tem que ser rapidamente corrigida. 

5. Níveis de investimento na PSP  

Este é mais um indicador que mostra bem o porquê da organização PSP não ter condições para implementar e reformar a sua organização, tendo os sucessivos Governos sido alertados para a necessidade de dotá-la com orçamentos mais robustos que reequilibrem as despesas. Com efeito, a PSP apresenta orçamentos em que mais de 90% (entre 91 a 92%) da dotação está alocado a despesas com pessoal, limitando, como está bem de ver, a margem de investimento em áreas tão cruciais como equipamento, novas tecnologias, desmaterialização de processos ou a própria reabilitação de estruturas. Só para que se tenha um referencial comparativo, isto por referência a dados de 20134, e circunscrito a países Europeus, a nossa vizinha Espanha tem um peso orçamental nas despesas com pessoal na ordem dos 89%, Inglaterra tem 81%, Finlândia tem 78%, Noruega tem 73% e França, com o valor mais baixo, apresenta apenas 67% da despesa com pessoal. Fica bem patente a diferença avassaladora na dotação orçamental que sobra às respectivas organizações policiais para fazerem investimentos necessários ao seu desenvolvimento e evolução. Essa é a grande diferença, e que explica o porquê de ser tão difícil observar evoluções mínimas que reabilitem, dignifiquem e tornem mais eficiente uma organização de tão grande envergadura como a PSP. A juntar a isso, e porque é importante não esquecer, temos leis de programação e equipamento que são meros placebos por apresentarem taxas de execução orçamental que vão pouco além dos 30%5, sendo pouco mais que um placebo ou um remendo para resolver problemas endémicos e estruturais.  

Torna-se difícil continuarmos a prometer uma Polícia que consiga galopar evolutivamente quando os seus dirigentes têm uma margem quase nula de decisão para [tentar] melhorar os níveis de eficiência da organização.

6. Conclusão 

Chegados aqui, talvez se comece a compreender do porquê de sermos teimosos na defesa intransigente destes profissionais, tudo em prol de um futuro melhor e de uma organização que assegura níveis de bem-estar mínimos e índices de desligamento próximos do nulo. Talvez se perceba agora, com estas pistas, do porquê de tão poucos olharem para a PSP como uma carreira com futuro, já que se pede tanto dela, e a retribuição é, como vimos, muito pequena quando olhamos para outras carreiras da Administração Pública. Começa a ser difícil fazer mais com cada vez menos, e infelizmente, pelo caminho, ficam alguns que desistem de vestir esta farda e de viver esta vida. Não podemos deixá-los sem resposta, eles merecem, Portugal merece.   

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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