Exclusivo

Opinião

Quando ela passa

Estamos naquela época do ano. Pelas nossas ruas, ao começo da tarde, a “passante” de Baudelaire e a garota de Ipanema deixam os homens em alvoroço

Todos conhecem a figura, mesmo que não a palavra, do flâneur, o observador que deambula pela cidade, segundo o modelo parisiense das arcadas e boulevards haussmannianos. Walter Benjamin escreveu um longo estudo sobre as arcadas. Georges Perec esteve um dia inteiro num café a anotar tudo o que via e ouvia. Eram quase sempre homens, burgueses dados ao ócio ou intelectuais e artistas em busca de “refúgio no meio da multidão”. Em geral, não acontecia nada de consequente, apenas vislumbres, hipóteses, mas ocasionalmente havia encontros encantatórios, como ficou bem demonstrado nos escritos dos surrealistas. Segundo a crítica norte-americana Lauren Elkin, “um flâneur é potencialmente, talvez inevitavelmente, alguém que segue ou é seguido, ou que se presta a isso”. Baudelaire é a referência obrigatória, com o célebre poema a uma mulher que passa: “La rue assourdissante autor de moi hurlait./ Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,/ Une femme passa, d’une main fastueuse/ Soulevant, balançant le feston et l’ourlet;// Agile et noble, avec sa jambe de statue./ Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,/ Dans son oeil, ciel livide où germe l’ouragan,/ La douceur qui fascine et le plaisir que tue.” O rumor das ruas, a dor majestosa e a mão faustosa, a perna de estátua, os olhos onde se anuncia tempestade, a doçura que fascina e o prazer que mata. E um remate perfeito: “Car j’ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,/ Ô toi que j’eusse aimée, ô toi qui le savais!” Encontros que são desencontros, coincidência ou predestinação, alheamento que talvez seja estratégia, uma leveza que é quase tragédia.

Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para continuar a ler

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: pedromexia@gmail.com

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate